O indiciamento do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, pela Polícia Federal (PF), por supostos desvios de emendas parlamentares para beneficiar áreas onde tem propriedades no Maranhão, coloca o governo Lula em uma situação embaraçosa. O fato se junta à sequência de episódios que põem sob suspeita o comportamento ético de Juscelino desde que assumiu o cargo na Esplanada. Assim como a mulher de César, não basta ser honesto. O ministro precisa parecer honesto, sob pena de causar considerável desgaste à imagem do governo Lula.
Ocupar um cargo no primeiro escalão do governo federal é uma responsabilidade pública que exige reputação ilibada, além de competência técnica e representatividade. No caso de Juscelino Filho, o mandato de deputado federal não basta para isso, ainda mais quando seu exercício é o objeto das investigações que o levaram ao indiciamento. Os desvios, segundo a PF, teriam sido feitos por meio da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), responsável pela execução de emendas parlamentares ao Orçamento da União da lavra de Juscelino Filho.
É incompatível com os preceitos republicanos um ministro ser suspeito de crimes como corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa e permanecer incólume no cargo. Assim como não é trivial a utilização de R$ 10 milhões em emendas para beneficiar a própria fazenda por meio de recuperação e a pavimentação de estradas no município de Vitorino Freire (MA), reduto político da família do ministro, cuja prefeita é Luanna Rezende, sua irmã.
Os indícios são graves. Com base em mensagens trocadas entre um empresário e o ministro entre 2017 e 2020, a PF concluiu que houve favorecimento da empresa que executou a obra e acusa Juscelino Filho de supostamente integrar uma “organização criminosa”. No ano passado, o mesmo empresário foi preso acusado de pagar propinas a funcionários federais para obter contratos em obras do município.
Juscelino reagiu ao indiciamento de forma temerária. Acusa a Polícia Federal de “criar uma narrativa de culpabilidade perante a opinião pública, com vazamentos seletivos, sem considerar os fatos objetivos”. Alega que a apuração distorceu premissas e ignorou fatos, sem ouvir sua defesa adequadamente. Em depoimento à PF, em maio, defendeu a regularidade da destinação de emendas, além de criticar a condução do depoimento por um delegado da corporação. O ministro comparou o método de investigação ao da Operação Lava-Jato, que, segundo ele, resultou em “danos irreparáveis a pessoas inocentes”. Ora, é sabido que o atual governo, bem como a cúpula da PF, tem notórias ressalvas aos métodos lava-jatistas. Não haveria sentido, portanto, aplicar desvios investigativos já repudiados em público.
Adotar essa linha de defesa é um direito do ministro, mas insuficiente para mantê-lo no cargo. O correto seria pedir o afastamento para se defender das acusações, com todas as suas prerrogativas de parlamentar eleito. Como está, Juscelino cria um constrangimento para o presidente Lula, que foi generoso com seu ministro: “Eu acho que o fato de o cara ser indiciado não significa que o cara cometeu um erro. Significa que alguém está acusando, e que a acusação foi aceita. Agora, eu preciso que as pessoas provem que são inocentes, e ele tem o direito de provar que é inocente”, disse Lula, na quinta-feira, ao desembarcar em Genebra, na Suíça.
Com sérios desafios fiscais e fragilizado no Parlamento, onde acumula sucessivas derrotas, o governo Lula ganha um problema adicional com o caso Juscelino. Não se trata de coisa corriqueira. Na atual conjuntura, o que o Planalto menos precisa é ganhar a pecha de tolerante com corrupção.