Declarações bombásticas e polêmicas comovem corações e mentes, mas não servem para os negócios. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governo brasileiro agem de forma extremamente correta ao relevar as agressões verbais gratuitas proferidas pelo presidente da Argentina, Javier Milei, contra o colega brasileiro. Milei fala para os seus eleitores radicais pouco se importando com o impacto desses atos em relação ao restante do mundo, como que querendo isolar a Argentina em uma ilha da fantasia. Governos passam, estados e empresas permanecem e é assim que o embaixador brasileiro na Argentina, Julio Biteli, se posicionou ao deixar o Palácio do Planalto ontem. Ele foi chamado exatamente para esclarecer as relações do Brasil com a Argentina, que são de longe mais importantes do que polêmicas envolvendo os presidentes dos dois países.


A Argentina é ums dos principais parceiros comerciais do Brasil, juntamente com a China, os Estados Unidos e os Países Baixos, e integra o Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul), criado há 33 anos e que sobreviveu a governos de ideologias variadas. A Argentina é o maior parceiro comercial do Brasil dentro do Mercosul e, em função de uma política econômica restritiva e com impacto sobre o consumo, são os argentinos que hoje mais se beneficiam dessa parceria, com o Brasil sendo um dos principais destinos para produtos argentinos.


No primeiro semestre deste ano, as exportações brasileiras para a Argentina somaram US$ 5,88 bilhões, com queda de 37,6% em valor e de 27,7% em volume em relação aos seis primeiros meses do ano passado, enquanto as importações do Brasil do país vizinho somaram US$ 6 bilhões, com aumento de 2,4% sobre os US$ 5,93 bilhões importados no primeiro semestre de 2023. Para se ter ideia do impacto da relação do Brasil com a Argentina, as importações representam 67,6% de tudo o que o Brasil comprou dos países do Mercosul de janeiro a junho deste ano, enquanto nas exportações o Brasil vendeu para esse vizinho 66,1% de tudo que destinou para os membros do bloco econômico.


A orientação dada pelo governo para a Embaixada em Buenos Aires desde dezembro do ano passado é preservar a relação econômica entre os dois países. A parceria é estratégica e deve ser vista com base no exemplo do Reino Unido, que depois de deixar a União Europeia agora busca uma reaproximação com o bloco europeu. Um inimaginável rompimento entre Brasil e Argentina traria prejuízo para os dois países e para toda a região, além de minar possibilidades futuras, como a conclusão do acordo Mercosul e União Europeia, celebrado em junho de 2019, após 20 anos de negociações e que até hoje não saiu do papel.


O Brasil tem visto as atitudes de Miley como “provocações” e adotado uma postura pragmática, uma vez que a diplomacia argentina mantém conversações com a brasileira sem que haja interrupções, inclusive com missões empresariais sendo realizadas e previstas entre as duas nações. A avaliação correta do governo brasileiro é de que a retração nas vendas para a Argentina é circunstancial e que mesmo em crise a Argentina oferece oportunidades de negócios para as empresas brasileiras. Esse é o interesse que efetivamente deve ser defendido, para manter mercados para produtos brasileiros, que geram emprego e renda no país.