A cada seis minutos, ocorre um estupro no Brasil. Os números traduzem uma das piores formas de iniquidade social: mulheres (88%), principalmente negras (52%) e com menos de 13 anos (62%) são a maioria das vítimas. Somente em 2023, foram 83,9 mil casos registrados, um aumento de 6,5% em relação a 2022. Não devemos nos iludir: trata-se de uma herança da relação casa grande e senzala, que replica e agrava a cultura machista e misógina da formação do nosso patriarcado colonial, na qual se destaca, ainda, o sequestro e a servidão de mulheres e jovens indígenas.
A cultura do estupro não é uma realidade apenas brasileira, mas tem ingredientes estruturais da nossa história que definem o perfil majoritário das vítimas. Outra realidade marcante no nosso país é que a maioria dos algozes é conhecida, gente que deveria estar cuidando das crianças e adolescentes. Segundo o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta semana, além de 76% das vítimas de estrupo serem vulneráveis (menores de 14 anos), nesses casos, 64% dos agressores são familiares e 22%, conhecidos da família. Ou seja, o local de risco é a própria casa (65%).
A maioria das vítimas tem entre 10 e 13 anos (32%), seguida da faixa de 5 a 9 anos (18%) e da de 0 a 4 anos (11%). Entre os bebês, foi registrada, em 2023, “a chocante” taxa de 68,7 casos por 100 mil habitantes, o dobro da média nacional: 41,4. De uma forma geral, entre 2011 e 2023, o número de estupros cresceu 91,5% no país – de 43,4 mil casos para quase o dobro, 83,4 mil. Desde 2021, há uma tendência de crescimento, após queda durante a pandemia da COVID-19.
A notificação de violência doméstica também não desacelera: foram 258.941 vítimas em 2023, 9,8% a mais do que no ano anterior. O número de mulheres ameaçadas subiu 16,5%: 778.921 denunciaram essa situação à polícia no ano passado. Além disso, houve aumento dos registros de violência psicológica (33,8%) e de stalking (perseguição), 34%.
A polarização e a desagregação sociopolítica favorecem a cultura da violência de todas as formas. No caso da violência sexual doméstica, há ainda a influência da opressão no âmbito familiar – muitas vezes, a causa de sua desestruturação, ao contrário do que muitos imaginam. A cultura que favorece a violência sexual doméstica foi naturalizada a partir de um comportamento social que relativiza ou silencia as ocorrências para “não envergonhar a família”, por exemplo. São segredos perversos, guardados a sete chaves, com a desculpa de que a “roupa suja se lava em casa”, erguendo uma muralha de medo, silêncio e intimidação na rotina familiar.
Por isso a necessidade de uma participação efetiva da sociedade para coibir a cultura da violência que massacra as mulheres brasileiras. Punições mais rígidas contra os criminosos não são suficientes em um país em que, além da cultura de silenciamento dentro das casas, tem a tendência, por exemplo, de culpar as vítimas pelo crime – seja pela roupa que usava, pelo local em que estava ou qualquer outro tipo de comportamento “provocante”. Essa mudança de mentalidade porá fim ao machismo estrutural que sustenta as agressões cotidianas contra crianças, jovens e adultas no país. O caminho é longo, mas urgente.