Victor Missiato
Professor de História do Colégio Presbiteriano Mackenzie Tamboré, analista político e Doutor em História
A expectativa acerca da desistência de Joe Biden em tentar sua reeleição nas eleições norte-americanas foi confirmada no último domingo, 21 de julho, após uma grande resistência por parte do agora ex-candidato democrata. Para além das críticas ao seu governo, o que se via nos últimos meses era uma questão de caráter mais humano do que político. O cidadão Joe Biden demonstrava em diversos momentos total incapacidade cognitiva para se manter no cargo político mais importante do mundo.
Preservar sua imagem significava realmente desistir das eleições. Em poucas horas, de uma pessoa teimosa, Biden passou a ser reverenciado por sua coragem, inclusive, com homenagens previamente preparadas. Em seu lugar, a expectativa mais provável é que assuma Kamala Harris, vice-presidente, que conta com o apoio da maioria do establishment do Partido Democrata.
Independentemente do candidato escolhido pelos democratas, o que se configura nos EUA é uma disputa entre vencedores e vencidos no atual processo de globalização, liderado pela primeira vez por atores não ocidentais, como China e Índia. O modo como os norte-americanos enfrentarão essa disputa geopolítica é o que norteará a escolha de seu próximo presidente. Como ambos os candidatos estão ou estiveram à frente do poder, caracterizá-los e analisá-los não é uma tarefa para jogo de apostas.
Kamala Harris representa um grupo político que, após o fim de um desastroso governo republicano, liderado por George W. Bush, ascendeu ao poder por meio da liderança de Barack Obama, com a promessa de um maior engajamento do país frente aos dilemas vindos com a Crise de 2008 e a ascensão da China enquanto player global. O ativismo dos Democratas contribuiu para que umas séries de conflitos continuassem ou surgissem, como ocorreu na Líbia.
Após o mandato de Donald Trump, quando o mundo enfrentou uma grande pandemia, Joe Biden, antigo vice-presidente de Obama, assumiu a presidência com uma política similar ao primeiro presidente negro dos EUA. Em seu mandato, a Europa se viu ameaçada com a invasão da Rússia na Ucrânia e os conflitos aumentaram no Oriente Médio, principalmente com a guerra entre Israel e Palestina. O mundo tornou-se mais inseguro com Joe Biden na Presidência.
Por outro lado, a diplomacia superficialmente nacionalista de Donald Trump foi responsável por apaziguar diversas tensões ao redor do mundo. Vladimir Putin não fez ataques em seu governo, como fez antes e depois, em países como Geórgia e Ucrânia. Com ofensivas pontuais, o Oriente Médio não enfrentou uma crise como a que vem passando nesses últimos dois anos. Portanto, para além da caracterização pessoal que permeia o imaginário do político Trump, sua diplomacia foi calcada em acordos e coerções, que amorteceram tensões em diversas partes do mundo.
Na literatura clássica da guerra, de Sun Tzu a Clausewitz, a arte da guerra significa a instrumentalização da política pelos seus meios mais extremos. Dissuadir o inimigo significa fazê-lo repensar em sua estratégia de ataque. O que Trump proporcionou em seus quatro anos de mandato foi exatamente isso, quando transformou a diplomacia norte-americana que vinha cometendo erros crassos a partir dos mandatos de Bush, Obama e Biden.
No cenário internacional contemporâneo, debater a participação ou não na globalização é irrelevante, pois esse processo já está incorporado no espírito do tempo de todos os lugares do planeta. Diante desse quadro, para além do debate identitário e superficial acerca do homem branco contra a mulher negra, o que está em jogo é justamente quando e como o mundo viverá um tempo maior em paz.