O ritmo acelerado de envelhecimento da população brasileira foge da curva quando comparado ao de grandes potências — a dos EUA, por exemplo, deverá ser composta por 28% de idosos em 2102; no Brasil, essa realidade é esperada 40 anos antes, em 2062, segundo cálculos das Nações Unidas. Não restam dúvidas de que a composição etária brasileira passa por um período de acentuada transformação. E cheio de complexidades. As desigualdades arraigadas no país também envelhecem, fazendo com que crianças e adultos vulneráveis tenham risco aumentado para enfrentar realidade semelhante aos 60 e demandando respostas sociais eficientes frente a essas debilidades.


No caso das mulheres, por exemplo, a violência de gênero não caduca. Sete em casa 10 denúncias de violências contra pessoas idosas registradas no Disque 100, em 2022, foram contra pessoas do sexo feminino — o equivalente a 70% dos casos. Estudo da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) com dados de 2020 a 2023 revela praticamente o mesmo cenário: média de 67% no período. Os filhos costumam ser os principais algozes, e a violência psicológica, uma das mais praticadas — indicando que o olhar atento e a denúncia por parte de pessoas próximas são ponto-chave para se romper o ciclo de abusos independentemente da idade da vítima.


A desigualdade racial também se revela no envelhecimento da população brasileira. Estudo do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) a partir de entrevistas com pessoas com mais de 50 anos em São Paulo, Salvador e Porto Alegre — capitais com índices altos de envelhecimento populacional — mostra que, em cinco dos 11 indicadores que compõem um envelhecimento ativo e adequado, a questão racial se mostra de forma significativa. São eles: segurança financeira, exposição à violência, inclusão produtiva, acesso à saúde e inclusão digital.


Não se pode perder de vista que as vulnerabilidades se entrelaçam, deixando as velhices brasileiras cada vez mais distintas e distantes. Se a inclusão improdutiva — relacionada ao valor da renda mensal e à peocupação com o pagamento de contas — é maior entre idosos negros, é de se esperar que, ao chegar à terceira idade, as mulheres, que acumulam um histórico de desigualdade salariais, tenham uma realidade financeira pior.


No caso de acesso à saúde, o desafio é maior para idosos LGBTQIA+: 31% estão na pior faixa de assistência oferecida tanto na rede pública quanto na privada, contra 18% da população que não faz parte desse grupo, segundo pesquisa das universidades de São Paulo (USP) e de São Caetano do Sul (USCS). Essa discrepância foi um dos motes da 25ª Parada do Orgulho LGBT realizada, no domingo, em Brasília. Ao EM, Igor Albuquerque, um dos organizadores da marcha, defendeu a adoção de “políticas públicas exclusivas” para amenizar dificuldades enfrentadas desde a juventude.


Nesse sentido, medidas anunciadas recentemente pelo governo federal — como a inclusão de idosos entre os beneficiários no Bolsa Família e o fornecimento de remédios para Parkinson e glaucoma, doenças prevalentes na terceira idade, pelo Farmácia Popular — são bem-vindas. Mas não suficientes. Dada a velocidade com que nossa pirâmide etária muda de formato, é preciso, ainda, que gestores locais e da sociedade civil organizada se dediquem a iniciativas que ajudem a fazer com que o envelhecimento da população brasileira seja um processo também de quebra de paradigmas e de resgate da dignidade humana.