Aécio Neves
Deputado federal, presidente do Instituto Teotônio Vilela, ex-governador de Minas Gerais
É muito raro uma política pública entrar para a história de um país a ponto de ser comemorada 30 anos após a sua adoção. O Plano Real conseguiu. Seu reconhecimento se deve ao fato de ter devolvido aos brasileiros a capacidade de planejar o futuro, superando décadas de um processo hiperinflacionário que sempre penalizou mais os mais pobres.
O plano completa três décadas. Aquela foi a oitava tentativa de estabilização econômica desde o fim do regime militar, recebida com enorme expectativa e esperança pela população – cansada de conviver com preços que chegaram a dobrar de um mês para outro – e a desconfiança costumeira dos que eram então oposição: o PT votou reiteradamente contra a medida provisória de criação da nova moeda.
O Real foi muito mais que um plano de estabilização econômica. Foi um programa de modernização do país. O Brasil que temos hoje é tributário das enormes transformações econômicas, sociais e institucionais ali iniciadas. Para tanto, foi central e crucial a liderança do então ministro da Fazenda e depois presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Sem ele, o país não teria conseguido.
Mas é fundamental registrar também a participação do então presidente Itamar Franco nesse processo. Sua coragem pessoal e a responsabilidade com o país permitiram que ele tomasse decisões que contribuíram para mudar a história do Brasil.
Como parte relevante da população brasileira atual não viveu aqueles infortúnios, por ser então muito jovem ou nem ter nascido, é bom rememorar o que era o Brasil de 30 anos atrás. Até aquele ano de 1994, os brasileiros haviam se acostumado a uma rotina em que o salário chegava ao fim do mês valendo uma ínfima fração do que valia quando era pago.
No ano anterior, a inflação brasileira chegara a 2.477%. No último mês de vigência da antiga moeda, o cruzeiro real, que circulara durante menos de um ano, o índice geral de preços havia batido em 47%, o que, anualizado, equivaleria a 10.420%. Na média, a carestia havia sido de 16% ao mês desde 1980. Só países como Congo, em guerra civil, Rússia e Ucrânia, saídos da ruína soviética, tinham situação tão ruim quanto a nossa. Definitivamente, não dava para viver assim.
Quatro anos depois do início da vigência do plano, a inflação brasileira caíra a 1,6%, menor patamar da história. Quem mais foi beneficiado foram os mais pobres. Na hiperinflação, a indexação e a correção monetária garantiam proteção ao dinheiro dos que tinham acesso ao sistema financeiro. Mas, na outra ponta, corroíam o poder de compra dos salários de quem sequer tinha conta em banco.
À estabilização, o governo do presidente Fernando Henrique somou uma série de medidas destinadas a redesenhar o Estado brasileiro. Havia liderança, havia firmeza, transparência e honestidade de propósitos. O plano foi, pois, o pontapé inicial – e, claro, indispensável – de uma verdadeira revolução destinada a reduzir a desigualdade social e a ampliar o potencial de crescimento da nossa economia – objetivos, infelizmente, até hoje ainda não atingidos.
Vieram em seguida as renegociações de dívidas estaduais e municipais; as privatizações; o fim de bancos públicos estaduais que funcionavam como fonte de financiamento de governos perdulários; e, finalmente, a adoção dos princípios de responsabilidade fiscal, por meio da Lei n° 101/2000, que, com o regime de metas de inflação e câmbio flutuante, constituiu daí em diante o sustentáculo da economia brasileira.
Relembrar o Plano Real é crucial para iluminar um passado para o qual não podemos correr risco de retroceder: o do descontrole absoluto dos preços que existiu no país até 1994. Combater a inflação parece um preceito econômico por demais evidente, mas não são poucos os que teimam em querer desafiá-lo, sob os mais espúrios argumentos e inconfessáveis objetivos.
O Real é uma peça de resistência. Sobreviveu a governos que levaram o país para rumos errados e fizeram de tudo para arruinar a estabilidade da nossa moeda. O trunfo do plano foi sempre o apoio da própria população, que reconhece nele a maior conquista da nossa história recente.
O Real é fruto de um governo, de um líder e de uma equipe dotados de verdadeiro espírito público, devotados a mudar o país e promover o que toda política pública séria deve perseguir: a melhoria da vida das pessoas. São ativos cada vez mais raros no Brasil de hoje, preso a interesses menores, visões de curto prazo e governos de deplorável esterilidade de boas ideias.
As ações promovidas àquela época, no governo do PSDB, inauguraram uma era de reformas que transformou o Brasil num país muito melhor. Esse ciclo, no entanto, não teve continuidade. O que agora precisamos é de uma nova rodada de mudanças estruturais para retomar o caminho do desenvolvimento do qual o país se desvirtuou.