Carlos Rodolfo Schneider
Empresário

Há muitos anos se fala de Custo Brasil, dos elevados custos para fazer negócios no país, da falta de competitividade da nossa economia, especialmente para a indústria, que produz os chamados “tradables” ou comercializáveis, produtos que devem disputar o mercado internacional via exportações, e que por outro lado sofrem a concorrência no mercado interno, via importações. Consequência é a prematura e muito acentuada perda de participação da indústria de transformação no PIB do país, ao contrário da China, México, Índia, países do Sudeste Asiático, e até desenvolvidos como a Alemanha, que mantém participação forte da indústria, em alguns casos até crescente, aproveitando os processos em curso de redefinição das cadeias de valor, em função de vulnerabilidades expostas pela pandemia e de conflitos geopolíticos.


Infelizmente, estamos participando apenas marginalmente dos processos de “nearshoring” e “friendshoring”, ao contrário das nações que mais diretamente disputam mercado conosco, justamente por falta de competitividade. Estamos perdendo uma oportunidade de recuperar produtividade e dinamismo na economia, que decorrem de melhores empregos gerados pela indústria de transformação, dos seus importantes investimentos em pesquisa e tecnologia, e do aumento do valor agregado à produção nacional por esse setor.


Sem dúvida há que se reconhecer a importância de alguns avanços ocorridos nos últimos anos, com a realização de reformas micro e macroeconômicas, em direção à agenda da competitividade. O problema é que o Custo Brasil tem sido tão mais alto do que o dos nossos concorrentes – dívida pública e carga tributária em proporção do PIB, por exemplo, mais altos entre os países em desenvolvimento – que muitas lições de casa ainda precisam ser feitas. Principalmente a redução do peso do Estado sobre a sociedade, e, em especial, sobre o setor produtivo, por meio, de um lado, de uma reforma administrativa que, apoiada pelo desengessamento do orçamento público, permita diminuir o gasto e consequentemente a carga tributária, via maior eficiência dos dispêndios públicos. E de outro lado, da reforma tributária, que após anos de discussões, tramita em fase de regulamentação no Congresso Nacional, em uma primeira etapa que é a simplificação da caótica estrutura dos impostos sobre o consumo. A proposta apresentada pelo Executivo, em 2023, trouxe importantes avanços conceituais como o fim da cumulatividade, a partir da ideia de imposto sobre valor agregado (IVA), englobando vários tributos, mas sem redução de carga tributária, dado que este governo declaradamente pretende aumentar e não reduzir o gasto público. Esse viés fica evidente com o foco total do Ministério da Fazenda na busca de mais receitas. Transformou-se, de fato, no Ministério da Arrecadação.


O imposto sobre valor agregado proposto, composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de responsabilidade de estados e municípios, e a Contribuição sobre Bens e Serviços, a cargo da União, previa inicialmente uma alíquota conjunta de 21%, próxima à média de outros países que adotam o conceito de IVA. Essa alíquota, no entanto, previa um número bem limitado de regimes especiais, a partir de especificidades setoriais e interesse social. Necessário destacar, contudo, que os sistemas tributários com base no valor agregado mais modernos e eficazes praticamente não trazem regimes privilegiados, o que permite colher os benefícios da simplificação e da alavancagem da economia na sua integralidade.


Na tramitação da reforma no Congresso Nacional no 2º semestre do ano passado, os parlamentares cederam a grupos de pressão, aos lobbies mais poderosos, aos setores e regiões que sempre buscam privilégios, em tal medida que a alíquota do IBS/CBS prevista já saltou para 26% ou 27%.

 

Provavelmente, será a mais alta do planeta. Novamente importante lembrar que não existe almoço grátis. Os privilégios de uns serão pagos pelos demais. Perde a competitividade da economia. Como bem destacou Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária, os tratamentos favorecidos retiram boa parte do potencial de impulsionamento do crescimento econômico da reforma, criam um espaço para litígio na justiça por conta das questões de classificação e impactam a alíquota padrão.


Mas além das ineficiências e privilégios já introduzidos no texto-base da reforma, a regulamentação, em tramitação no Congresso, pode potencializar as distorções. Agora é necessário detalhar as delimitações e a operacionalização dos regimes especiais que beneficiaram os diversos setores com reduções de alíquotas de 30%, 60% e até 100%, e evitar que novas atividades procurem se enquadrar nessas “exceções”, na definição da legislação complementar. Infelizmente, mais uma vez a sociedade brasileira se contenta com meias soluções. Devemos passar na prova, mas com nota pouco acima de cinco.


Querer pagar menos impostos é um direito legítimo, porque no Brasil, à exceção de setores e regiões que têm regimes privilegiados, todos pagamos demais. Mas o principal caminho para isso é por meio do aumento da eficiência do gasto público, é o Estado fazer mais com menos, e assim precisar de menos tributos para cumprir o seu papel. E a sociedade deve pressionar as autoridades para a construção desse Brasil eficiente, em que o poder público realmente esteja a serviço do público, e não de si mesmo. Mas enquanto não avançarmos o suficiente nessa direção, não é legítimo que alguns queiram pagar menos, com a conta sendo transferida aos demais. 

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