A barbárie não é obra exclusiva do crime organizado, dos milicianos ou daqueles que tentam eliminar, ou subjugar, os menos favorecidos. Crianças e adolescentes têm sido vítimas constantes da violência no Brasil tanto das quadrilhas quanto das forças de segurança pública e de integrantes das famílias. Mais uma vez, pretos e pardos são os mais agredidos e mortos.


Nos últimos três anos, 165 mil brasileiros entre 0 e 19 anos, de ambo os sexos, foram vítimas de violência sexual. Na mesma faixa etária, 15 mil tiveram a vida ceifada de forma violenta em igual período. Os dados, divulgados nessa terça-feira, são do relatório Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, elaborado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).


Em 2023, a cada oito minutos, uma criança ou adolescente foi vítima de estupro. As crianças (bebês) com menos de um a 9 anos somaram mais de 35% das agredidas – no ano passado, nessa faixa etária, 22.930 pequeninos foram violentados. Os abusadores não poupam os meninos. Entre 2021 e 2023, 20.575 crianças e adolescentes do sexo masculino foram estuprados no país.


No recorte raça/cor, o racismo se destaca no cenário da violência letal. Nos últimos três anos, 91,6% das vítimas eram jovens entre 15 e 19 anos. Desse total, 82,9% eram pretos e pardos, sendo 90% do sexo masculino. Ainda no mesmo período, as intervenções policiais elevaram o número de óbitos de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos por meio violento. Em 2021, as ações da polícia foram responsáveis por 14% das mortes, em 2022, 17,1% e, em 2023, 18,6%. Resultado: uma em cada cinco crianças e adolescentes foi morta nas intervenções policiais.


Para a socióloga Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP, “é importante que haja um protocolo mais claro das abordagens e do uso da força pelas polícias, tendo em vista que os principais alvos são os jovens pretos e pobres da periferia”. Em relação à violência sexual contra crianças e adolescentes dentro de casa, ela cobra do Estado investimento em educação sexual e criação de espaços “para proteger essas crianças e defendê-las de seus agressores”.


O estudo oferece ao poder público e à sociedade um receituário de providências que pode ser adotado para prevenir, enfrentar e conter as diversas formas de violência. Convicta de que cada vida de criança e adolescente é importante, qualquer pessoa que presenciar ou suspeitar de que eles foram agredidos ou correm risco de morte deve denunciar às autoridades, indica o texto. Em relação à agressividade policial, o relatório sugere que haja protocolos, treinamentos destinados à proteção de meninos e meninas e maior rigor no controle do comércio e acesso de armas pelos civis. Essa necessidade urge diante do aumento de morte de crianças e adolescentes por arma de fogo, mas também para conter os feminicídios dentro dos lares.


O quadro desenhado pelo relatório está incompleto. A solicitação de informações feita pelo FBSP às secretarias de segurança pública dos 27 estados não foi atendida plenamente por Bahia, Minas Gerais, Goiás, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Espírito Santo. Ainda que haja lacunas a serem preenchidas, o panorama da violência no Brasil impõe aos governos federal, estadual e municipal ações mais efetivas e urgentes. Não há como banalizar as agressões e mortes da parcela da sociedade que tanto é decantada como a geração do futuro. Mantido o atual compasso, o futuro da nação está sob grave ameaça.