Dom Walmor Oliveira de Azevedo, Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte -  (crédito: Reprodução)

Dom Walmor Oliveira de Azevedo, Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

crédito: Reprodução


É para a liberdade que o ser humano foi criado, lembra o apóstolo Paulo, em seus escritos. Compreende-se, pois, o inegociável princípio de defender a liberdade, nos âmbitos social e político, e também buscá-la, incansavelmente, para revestir, de modo qualificado, a interioridade humana. A busca da liberdade contracena com as dinâmicas contemporâneas de construção da autonomia e da individualidade, delineando desafios permanentes: o respeito à dignidade de toda pessoa e o compromisso de promover a igualdade entre todos, com a sabedoria de não permitir que as diferenças se tornem alavancas de injustiças, de exclusões ou discriminações. Esses desafios, para serem vencidos, dependem de cidadãos e cidadãs com adequada competência humanística e espiritual para a regência de laços relacionais. As estreitezas humanas constituem grave impedimento para se promover e se viver a liberdade, pois alimentam diferentes tipos de escravização. Alimentam, particularmente, a escravização gerada pelo vazio interior provocado pela ausência de adequados valores, por assimilações indevidas na constituição de subjetividades, tornando-as incapazes de promover e de conquistar a autêntica liberdade humana.


A dimensão movediça que caracteriza a constituição da subjetividade, com suas multíplices emergências, exige, para seu equilíbrio, um qualificado processo de humanização, para alavancar a liberdade, sem se deixar iludir por inadequadas ideologizações ou patologias psicoafetivas – obstáculos para o florescer da individualidade capaz de contribuir para a superação de escravizações na sociedade. É compromisso cidadão e de fé dedicar-se à compreensão sobre processos de escravização, para enfrentá-los. A sujeição de uma pessoa a outra é fenômeno antigo e contemporâneo, requerendo permanente atenção, tratamento terapêutico e respostas emolduradas pelo mais nobre sentido da liberdade humana, que é, ao mesmo tempo, um dom e uma missão. Pode já não mais existir escravaturas oficializadas, regulamentadas, mas ainda existem as escravizações contemporâneas, expressas na vida de tantos oprimidos. A humanidade evoluiu e distanciou-se do equivocado entendimento que legitimava o domínio do semelhante. No entanto, ainda não consegue assegurar, a todos, o direito à liberdade – base de igualdade social e política.


Em busca de ampliar o alcance da liberdade, os países efetivam acordos importantes, mas ainda há carência de estratégias para, eficazmente, combater diferentes formas de escravização, garantindo mais qualidade à convivência humana. Há de ser alcançada, por exemplo, adequada compreensão social sobre o que ainda ocorre no mundo do trabalho, em diversos setores, incluindo o trabalho doméstico, agrícola, na mineração, na indústria. A ampliação e qualificação de mecanismos legais ainda não conseguem dissipar quadros discriminatórios e de escravizações. Urge-se um constante desenvolvimento da sensibilidade social para conhecer, intervir e modificar situações em que as escravizações se revelam e perpetuam a fome, a privação de liberdades fundamentais, as penúrias e tantas carências que precisam ser superadas para garantir a dignidade humana.


No mundo contemporâneo, há grande variedade de escravizações, que se revelam nas migrações forçadas, na prostituição, com agressões ao direito sagrado à liberdade, corrompido também pelas estreitezas humanas. Essas estreitezas são particularmente fecundadas pela desarvorada dinâmica da iconoclastia que abre passagem a todo tipo de absurdo, com o cultivo de sentimentos e de posturas que buscam simplesmente instalar o caos, inviabilizando funcionamentos institucionais por manipulações interesseiras. É importante e urgente sensibilizar-se diante das muitas formas de escravização, que incluem tráfico de pessoas e o comércio de órgãos. O ser humano não pode ser tratado como objeto, a partir de interesses econômicos, políticos ou de qualquer outro tipo. Na raiz das muitas formas de escravização está a deterioração do coração humano, desfigurado pelo pecado. Por isso, há de se investir, a partir do próprio coração, para superar diferentes tipos de escravização. Um compromisso a ser partilhado por todos, como ideal humanitário, para transformar cenários, criar condições para um desenvolvimento integral.


O Papa Francisco assinala que o combate às escravizações requer coragem e perseverança, em um horizonte humanístico-espiritual de qualidade e com força de convencimento e congregação de muitas pessoas. Ele indica ainda um tríplice empenho a ser partilhado pelas instituições: prevenção, proteção das vítimas e ação judicial contra os responsáveis pelas agressões à liberdade humana. O enfrentamento às escravizações precisa se fortalecer a partir de cooperação transnacional, e de um adequado sentido de cidadania, em cada sociedade, inspirado pelo compromisso pessoal de se viver um profundo exame de consciência individual. A promoção da liberdade precisa ser também impulsionada pelas organizações da sociedade civil, muito importantes para mudar o flagelo das escravizações.


Todos possam acolher a convocação do Papa Francisco para promover a globalização da fraternidade – e não da escravização nem da indiferença. Trata-se do caminho para respeitar a dignidade humana e alcançar a verdadeira liberdade, um sonho e compromisso cristão. A humanidade precisa de operários no combate às escravizações, promotores da fraternidade, por uma nova civilização marcada pela solidariedade.