Paulo Solmucci
Presidente da Abrasel – Associação Brasileira de Bares e Restaurantes
Nas eleições municipais do próximo dia 6 de outubro estarão em disputa duas antagônicas correntes. Uma levanta a bandeira das cidades territorialmente espalhadas, espraiadas. Ou seja, cidades com baixa densidade populacional por quilômetro quadrado. Nelas, as moradias ficam longe dos locais de trabalho, de estudo, de compras, de lazer etc. Não se consegue ir a pé de um desses lugares a outros. É preciso que se tenha um automóvel. Ou se pegue o ônibus.
As cidades de baixa densidade são grandes emissores de CO², o principal gás de efeito estufa emitido à atmosfera pelos automóveis, motos, caminhões, ônibus. São centros urbanos tóxicos. É esta a mais corriqueira causa do aquecimento global mundo afora, tendo como consequência várias tragédias climáticas: secas, queimadas das florestas, tsunamis, furacões, elevações do nível do mar, inundações como as que ocorreram no Rio Grande do Sul.
O tóxico espalhamento urbano é o que mais ocorre no Brasil inteiro. Mora-se em um lugar, fazem-se as compras em outros lugares distantes; a escola é lá longe, o hospital fica a quilômetros de casa, e assim por diante. Uma vasta pulverização. O adensamento urbano é o contrário disso. Têm-se a escola, o comércio, o posto de saúde, o parque e a praça, a lanchonete e o restaurante nas vizinhanças das moradias, ao alcance de uma pessoa caminhando.
O oposto do espraiamento urbano está na cidade densa, compacta, coesa. Nelas há muito mais habitantes por metro quadrado do que nas cidades esparramadas. O mais citado exemplo mundial de cidade adensada (e, portanto, arejada) é o de Paris, em que se mesclam nas mesmas vizinhanças a moradia, o comércio, as escolas, os parques e as praças, os postos de atendimento à saúde, as padarias, os cafés.
O paradigma da cidade caminhável (portanto na escala humana) é Paris. Sua alta densidade demográfica é a de 21 mil habitantes morando no espaço de um quilômetro quadrado. Na espalhada cidade de São Paulo, moram 7 mil habitantes por quilômetro quadrado. A mesma proporção observa-se, por exemplo, em Belo Horizonte, em Fortaleza e no Recife. É daí para menos. A cidade do Rio de Janeiro tem 5 mil habitantes por quilômetro quadrado.
O que mais existe no Hemisfério Sul global são cidades esparramadas, espraiadas, territorialmente muito alargadas, devoradoras dos cinturões verdes. No Brasil, com raras exceções, naturalizou-se o caos das cidades do carro-pra-lá-carro-pra-cá, em uma rotina de engarrafamentos. As cidades compactas são arejadoras e respiráveis. Geralmente, encontram-se na Europa central nos países nórdicos.
Fato é que Belo Horizonte acabou desdenhando as suas saudáveis raízes. Com um desenho inspirado em Paris e Viena, a nova capital mineira foi inaugurada em 12 de dezembro de 1897, com um acentuado adensamento circunscrito aos limites da Avenida do Contorno. Mas, cinquenta anos depois (isto é, na década de 1950), começou-se a aceleradamente expandir esse limite, em um processo até hoje infindável. De acordo com o censo de 2022, a população do município teve uma queda de 2,5% nos últimos 12 anos. Em contrapartida, a população da região metropolitana cresceu 4,6%.
Nenhum urbanista é contrário à posse e ao uso do automóvel. É, sim, adversário do uso indiscriminado e abusivo uso dele, como é comum no Brasil. As famílias francesas utilizam o veículo muito ocasionalmente, como “carro de passeio”. E organismos municipais administram uma eficientíssima rede de ônibus, de metrô, de ciclovias e até mesmo de barcos turísticos que navegam no Sena, o rio que corta a cidade.
De acordo com informações da Statista (conceituada plataforma online alemã), no ano de 2020 a França já tinha 17,34% mais automóveis por grupo de mil habitantes do que o Brasil. Os dados: França, 582 veículos por 1.000 habitantes; Brasil, 496 veículos por 1.000 habitantes. O que impacta negativamente a mobilidade é o espraiamento urbano.
Os incessantes e longos deslocamentos pendulares no trânsito das 5.568 cidades brasileiras fazem com que, diante das graves circunstâncias climáticas do planeta, cresça ainda mais a nossa responsabilidade do voto nas iminentes eleições municipais. A partir do ano de 2000, passaram a ser divulgados com redobrada intensidade dados dos mais destacados centros científicos mundiais. Esses dados se referem a investigações realizadas por meio de satélites. São os seguintes: embora as cidades ocupem apenas 3% de toda a superfície terrestre, geram 70% da emissão dos gases de efeito estufa à estratosfera.
Portanto, que nas eleições de 6 de outubro sejam vitoriosos os prefeitos dotados do conheciment
o e da alma do urbanista. Somente assim podemos começar a nos livrar das tóxicas cidades espalhadas, espraiadas, dispersas. Que sigamos o exemplo da atual prefeita de Paris, Anne Hidalgo, que se destacou no noticiário internacional por acentuar o adensamento urbano da capital francesa, tendo como bandeira a “cidade da proximidade”. Que a gente também more e trabalhe perto das nossas demandas do dia a dia. Chega de dispersão. Vamos firmemente nos unir nesse propósito.