Ana Pimentel
Deputada federal pelo PT-MG, médica defensora do SUS, professora universitária e pesquisadora de saúde pública. Possui mestrado em Saúde Pública pela Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (2014) e doutorado em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz (2018)
Não de maneira muito diferente do que vimos com o protagonismo das atletas nos Jogos Olímpicos de Paris, nas eleições de 2024, o recorte de gênero será um tema indissociável das discussões políticas. O Brasil continua falhando na inclusão efetiva de mulheres nos espaços de poder. De acordo com levantamento feito pelo Jornal O Globo com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 63,8% dos municípios brasileiros apenas homens comandaram as prefeituras nas últimas duas décadas. Além disso, 27 municípios não elegeram vereadoras no mesmo período, desde a eleição de 2000. Os dados ilustram o ciclo vicioso de exclusão e desigualdade que ainda nos distancia de uma democracia verdadeiramente representativa.
Além disso, a concentração das lideranças femininas em municípios menores, representando apenas 9% da população brasileira, reforça a ideia absurda e misógina de que mulheres seriam incapazes de governar grandes cidades. A realidade é ainda mais dura quando consideramos o recorte racial: apenas 4% dos municípios são liderados por mulheres pretas, um reflexo cruel de como o racismo estrutural se alia ao machismo para bloquear o acesso de mulheres negras aos espaços de poder.
Os desafios não acabam, mesmo quando alcançamos a vitória nas urnas. Mesmo ultrapassando as barreiras eleitorais, as mulheres enfrentam dificuldades imensas para fazer valer suas pautas e proposições, sendo frequentemente isoladas nas mesas diretoras e nas comissões legislativas. O golpe sofrido pela presidenta Dilma Roussef é o mais vergonhoso de como a política masculina busca alienar e excluir as mulheres.
Também não basta olharmos apenas para os números. Não podemos nos esquecer do ainda alto índice de candidaturas laranjas, que são um subterfúgio leviano utilizado para cumprir a cota mínima de 30% de candidatas femininas nas chapas eleitorais. Candidaturas laranjas são aquelas em que as mulheres são colocadas como candidatas apenas para preencher o percentual, sem qualquer suporte real do partido, e sem intenção de que essas candidatas façam campanha de verdade ou vençam. Esse artifício não apenas sabota a luta por equidade de gênero na política, mas também perpetua o sistema que historicamente oprime e exclui mulheres.
Tema central para qualquer debate político da atualidade, a violência política de gênero é outra barreira massacrante que impede a permanência das mulheres nos cargos públicos. A realidade é que essa violência atinge todas as mulheres, independentemente de seu campo político, mas tende a ser ainda mais cruel para aquelas que ousam desafiar o status quo. Mulheres que se posicionam de maneira progressista e que lutam para mudar o sistema são frequentemente alvos de ataques agressivos, que não apenas tentam deslegitimar suas pautas, mas também visam a desestabilizá-las e silenciá-las, utilizando ameaças e intimidação como armas.
Mas onde há desafio, há esperança. O cenário eleitoral de 2024 traz consigo uma oportunidade singular: dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revelam que as mulheres representam a maioria do eleitorado brasileiro: 81.806.914 eleitoras, o que equivale a 52,47% do total. Isso quer dizer que em seis a cada dez municípios temos mais mulheres votando do que homens. Há um caminho aberto para a transformação. As mulheres, mais do que nunca, precisam de lideranças que não apenas as representem, mas que também batalhem por suas causas com firmeza e determinação.
Em um cenário em que as estatísticas denunciam a exclusão e o silêncio impostos às mulheres na política, nosso compromisso deve ser com a construção de uma democracia que verdadeiramente as inclua e amplifique suas vozes. Não se trata apenas de preencher cadeiras, mas de transformar o poder, de redefinir prioridades e de assegurar que as decisões que moldam nosso futuro sejam feitas por quem compreende as complexidades e urgências da sociedade. As eleições de 2024 são mais do que uma escolha entre candidatos; são uma oportunidade histórica de romper com o ciclo de sub-representação e violência, para que as mulheres, com toda a sua diversidade e força, possam finalmente assumir o protagonismo que lhes é de direito.