Patrícia Habkouk
Promotora de Justiça e coordenadora do Centro Operacional das Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (CAOVD)
Nesta semana, a Lei Maria da Penha completa 18 anos e, como sempre acontece nesta época do ano, é hora de fazer um balanço sobre sua eficácia na proteção das mulheres em situação de violência doméstica e familiar em nosso país e, muito particularmente, em Minas Gerais.
Importante ferramenta para coibir esta forma de violência, a Lei Maria da Penha, conquista histórica na afirmação dos direitos humanos das mulheres, foi considerada uma das melhores leis do mundo no combate à violência doméstica e está definitivamente incorporada à nossa sociedade.
A despeito desse cenário, a violência contra as mulheres segue com índices elevados em todo o país, como anunciado recentemente pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Todos os marcadores de violência contra a mulher mostraram aumento e, em nosso estado, seguimos tendo destaque negativo, com altos registros de feminicídio e aumentos significativos dos crimes de lesões corporais, ameaça, perseguição e violência psicológica, em relação aos anos anteriores.
Há certa dúvida se os números cresceram mesmo, ou se registram o maior acesso e a maior consciência das mulheres quanto aos seus direitos.
Os números falam por si mesmos: a violência segue aumentando!
Sobre os jogos olímpicos precisamos destacar que a Olimpíada de Paris conta com paridade total de gênero, o que é maravilhoso e há de inspirar os segmentos públicos e privados das sociedades do mundo inteiro.
A violência sofrida por mulheres e meninas está diretamente ligada às desigualdades de gênero, raça, classe, dentre outros e, em um cenário com tantas notícias ruins, tem sido reconfortante assistir aos jogos olímpicos e, especialmente, a vitórias de mulheres negras brasileiras!
Muito mais do que trazer medalhas para o nosso país, inclusive, as de ouro, essas mulheres mostram a força, a capacidade e as múltiplas formas de beleza, inspirando meninas país afora.
Os deuses do Olimpo poderiam determinar que, ao menos entre 26 de julho e 11 de agosto, enxergaremos as mulheres negras valendo-nos dos aspectos positivos e relevantes. Nada de focar na violência, subemprego, violação de direitos que permeiam a realidade da população negra do nosso país e do nosso estado. Vamos encher nosso peito de orgulho, banir o racismo das nossas práticas diárias e enaltecer o valor da população negra que tanto nos orgulha e que merece total respeito, apreço e reconhecimento.
Mas e o VAR? Aprendemos, assistindo a partidas de futebol, que para solucionar os lances complexos, é possível acionar o “vídeo assistant referee” ou árbitro assistente de vídeo, uma ferramenta que analisa imagens do que aconteceu e permite ao árbitro tomar decisões mais adequadas.
Na Olimpíada de Paris, o VAR está presente, no vôlei, no basquete, na esgrima, no judô e em outras modalidades esportivas.
Em um cenário de tanta violência doméstica e familiar contra as mulheres, de relacionamentos violentos, em que 84,2% dos feminicídios são causados pelo atual ou pelo ex-parceiro íntimo, como informado pelo anuário citado, seria tão bom se as mulheres tivessem um mecanismo para enxergar, antes do último ataque, a violência que sofrem.
Se fosse possível voltar no tempo e olhar, detidamente, para o momento da violência. Ver todos os detalhes da cena e realmente enxergar que não era cuidado, não era ciúme, não era amor, mas violência!
A violência invisível que vai crescendo, assumindo proporções grandiosas a cada dia e que, se não percebida, pode chegar ao feminicídio, como ocorreu com 1.467 brasileiras em 2023, dentre as quais 183 mineiras.
Reconhecer a violência no primeiro episódio e buscar a proteção da Lei Maria da Penha pode salvar vidas. E seguimos com inúmeros desafios para concretizar o sonho de uma sociedade em que mulheres e meninas não morram simplesmente pelo fato de serem mulheres.
Como o pedido aos deuses do Olimpo foi gasto, não acho que conseguiremos instalar um VAR em cada lar brasileiro, de forma que o caminho a seguir, não somente ao longo do Agosto Lilás, mas do ano todo, é fomentar campanhas de conscientização e orientação, fortalecer as políticas públicas com recorte específico e atuar diariamente para que a Lei Maria da Penha seja uma realidade presente na vida de todas as brasileiras e mineiras.