A onda de queimadas que assola o Brasil, diante de uma combinação entre a ação criminosa do homem, o tempo seco e a estiagem prolongada, deve servir, mais uma vez, de trampolim para a discussão acerca das mudanças climáticas no Brasil. Após a tragédia vivida por cidades do Rio Grande do Sul no período chuvoso passado, chama a atenção a insensibilidade de quem insiste em testar os limites da natureza ao atear fogo em matas espalhadas Brasil afora, ante o cenário descrito. A própria Polícia Federal (PF) investiga o surgimento de focos de calor simultâneos em estados brasileiros, um indício de ação criminosa coordenada – um histórico já conhecido pelos bombeiros, mas com sintomas de disseminação ainda maior neste ano.


Enquanto o Brasil arde em chamas, o Relatório da Organização Meteorológica Mundial, organizado pela ONU e publicado ontem, aponta para um panorama apocalíptico em ilhas do Pacífico. Nos últimos 30 anos, o nível do oceano aumentou em média 15 centímetros. Em algumas regiões, no entanto, esse dado ultrapassou os 30 centímetros, como o medido em Pago Pago, capital de Samoa Americana; e Suva, principal cidade de Fiji.


O cenário devastador motivou uma visita do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, a Tonga, um dos países com risco de desaparecimento ao ser engolido pelo mar nas próximas décadas. Tuvalu, também na Oceania, é outro território ameaçado. Como é de conhecimento científico e da sociedade em geral, o aumento do nível do mar está diretamente relacionado ao derretimento de geleiras, uma consequência do aquecimento global.


As sucessivas tragédias ambientais não são um aviso à comunidade internacional, mas um prenúncio do que as próximas gerações vão sofrer diante da inércia humana para pensar soluções mais sustentáveis e para adotar um estilo de vida menos dependente da exploração natural, sobretudo dos combustíveis fósseis. A situação é cada vez mais irreversível.


Ainda que o Brasil tenha uma das matrizes energéticas mais sustentáveis do planeta, a partir da predominância da fonte hidrelétrica, o país ainda precisa ampliar seu protagonismo na discussão mundial sobre o tema. São bem-vindas iniciativas como a do atual governo ao se colocar à disposição para receber a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30), a ser realizada em Belém, em novembro do ano que vem.


Mesmo assim, esse protagonismo precisa acontecer também a partir do rompimento de paradigmas inversamente proporcionais, como o ainda alto consumo de combustíveis fósseis no país – 92% da energia usada em transporte tinha origem do tipo, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) em 2019. É preciso que o poder público incentive e até dê mais subsídios às produções de etanol e biodiesel, ainda que políticas como essas sejam impopulares na elite econômica, sobretudo entre acionistas da Petrobras, principal produtora de petróleo do Brasil.


Dessa maneira, a medida tomada pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) no ano passado, ao ofertar novos 603 blocos de exploração da substância oleosa, vai na contramão da necessária mudança de comportamento da sociedade.


O momento atual é chave para definição do futuro da humanidade. Aqui, é preciso pensar de maneira coletiva, característica tão rara atualmente. Basta ver os casos dos países insulares da Oceania já citados, que praticamente não contribuem para a poluição do planeta, até por conta de suas pequenas populações, mas serão os primeiros a pagar a conta.


Não há espaço mais para o toma lá dá cá ambiental, a partir de posicionamentos ambíguos, como sediar a próxima COP ao mesmo tempo em que tenta ampliar a exploração de petróleo. É preciso incentivar o pensamento da cidade inteligente, que alia o avanço da tecnologia ao desenvolvimento sustentável. Urge a criação de mecanismos capazes de apontar mais precisamente os culpados pelos noticiados incêndios criminosos, mas também os responsáveis pelo desperdício de água e pelo desenvolvimento de poluição em larga escala.

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