Quase metade dos municípios brasileiros, 44%, têm fila de espera para matrícula em creches. São mais de 630 mil crianças com até 4 anos privadas da vivência em um ambiente que promove o desenvolvimento integral desde a primeira infância. Os dados fazem parte do Retrato da Educação Infantil no Brasil – Acesso e Disponibilidade de Vagas, divulgado terça-feira pelo Gabinete de Articulação para a Efetividade da Política da Educação no Brasil (Gaepe-Brasil) e pelo Ministério da Educação (MEC).


O levantamento feito nos 5.569 municípios e no DF mostra ainda que, entre aqueles que não planejam expandir as vagas (35%), 23% mantêm cadastrados meninos e meninas que aguardam a oportunidade. Os números revelam, no mínimo, uma desconexão entre as necessidades das famílias e as prioridades de seus representantes, além de um desmerecimento institucionalizado dos benefícios atrelados ao acesso ampliado à educação infantil.


Há de se ressaltar que a educação infantil é competência prioritária dos municípios e, apesar de, no país, a frequência em creche não ser obrigatória, é dever do poder público ofertar vagas às famílias que apresentam essa demanda, conforme estabelecido pela Constituição Federal de 1988 e ratificado, em 2022, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).


Porém, quando questionados sobre o não planejamento para a expansão de vagas, 11% dos municípios alegam não saber elaborar um plano e 3% dizem não ter tempo hábil para isso. Ou se tratam de argumentos infundados ou de justificativas que revelam um despreparo técnico crítico na condução de uma área estratégica da gestão pública.


Além da quantidade, espera-se equidade nos serviços de educação infantil. Para o Gaepe-Brasil, é necessário um plano de expansão de vagas de creche para atender toda a demanda existente no país, mas, havendo lista de espera, deve-se considerar as desigualdades sociais.


Os municípios parecem estar em uma situação menos ruim nesse quesito. Dos que adotam critérios para priorização de matrícula (44%), 64% têm como principal aspecto a situação de risco e vulnerabilidade das crianças sem vaga. Porém, apenas 23% consideram como prioridade o fato de a criança ter mãe solo ou adolescente.


É sabido que a presença de meninos e meninas nas creches é essencial para a inserção da mulher no mercado de trabalho de forma promissora. Também é solução para uma realidade comum nos lares carentes do país: crianças cuidando de outras crianças.


Além de conflitante com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a prática acaba por ampliar a crise educacional brasileira, já que a criança mais velha, e também a mãe adolescente, tende a ter seu desempenho escolar comprometido por assumir responsabilidades de adultos.


Uma das frentes do governo federal para amenizar o problema está inserida no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que prevê a construção de 2,5 mil creches até 2026, sendo o primeiro edital, com 1.178 unidades, contemplando áreas de vulnerabilidade social.


Há ainda a promessa de concluir obras paralisadas por meio do Pacto Nacional pela Retomada de Obras da Educação Básica. A solução deve passar também pela ruptura de um legado de não compreensão da criança como um ser social de direito – desafio de longo prazo, envolvendo múltiplos atores, incluindo professores – e pela escolha de gestores municipais comprometidos, de fato, com a educação infantil.

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