A suspensão do X (antigo Twitter) no Brasil, por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), repercutiu em todo o mundo na última semana. Se o embate entre a Corte e o empresário Elon Musk coloca em evidência uma inevitável discussão política, com enorme viés partidário, também deve servir como alerta para a falta de transparência das chamadas big techs, as gigantes da tecnologia, que aumenta a cada período eleitoral.


Em tempos nos quais as campanhas dos candidatos às prefeituras e câmaras municipais se voltam pesadamente para as redes sociais, o monitoramento das estratégias dos comitês eleitorais nesses espaços digitais tem sido praticamente impossível – ou no mínimo exige algum trabalho braçal incompatível com a rotina de redações jornalísticas e de pesquisadores. Em março, a Meta anunciou o fim da ferramenta CrowdTangle, que permitia acesso da população aos conteúdos em alta no Instagram e no Facebook, ambos administrados pela empresa de Mark Zuckerberg. Esse acesso, no entanto, sempre dependeu de linguagens de programação.


A ferramenta oferecia uma API, espécie de interface que permitia a coleta de dados em massa. Assim, era possível comparar mais facilmente o comportamento de determinados perfis no Instagram e no Facebook e entender, por exemplo, se um candidato se comporta nas redes da mesma maneira que sugere seu plano de governo. Ou, melhor, se ele realmente se importa com propostas para sua cidade, em vez de usar esses canais de comunicação apenas para “fazer barulho”. O serviço também cumpria boa parte da base de pesquisa de cientistas da comunicação e de áreas da tecnologia.


Hoje, o acesso a esses dados ainda pode ser feito, mas a lista de profissionais com permissão não inclui jornalistas – o que compromete uma das principais prerrogativas da área, a fiscalização do poder público. Ainda assim, aqueles que podem recorrer ao serviço precisam passar por um processo burocrático e demorado, que exige até mesmo documentações protocoladas nos Estados Unidos.


A decisão da Meta de restringir esse acesso aos seus dados caminha de mãos dadas com a de Elon Musk, que manteve a recusa de nomeação de um representante legal do escritório do X no Brasil. Isso sem contar o desrespeito do mesmo bilionário às decisões judiciais que obrigam o bloqueio de contas que espalham informações falsas, discursos extremistas e antidemocracia no microblog.


O momento atual deixa claro de que lado as big techs estão no cabo de guerra do jogo democrático. Em nome do aumento de usuários e do tráfego sem qualquer limitação, evidentemente para faturar mais com diferentes frentes, sobretudo a publicidade, as redes sociais se colocam acima do bem e do mal, inclusive das leis de cada país – ainda que aqui caiba alguma separação entre algumas redes, como o YouTube, que ainda permitem acesso a dados de maneira razoável.


A postura de Elon Musk, após o bloqueio assinado por Moraes, é emblemática neste sentido. O empresário classifica o ministro como “violador de juramentos”, quando o próprio bilionário não respeita as leis do país onde sua empresa opera. Também afirma que as ações de Alexandre “são contra a vontade do povo brasileiro”, quando, na realidade, o dever do STF é defender a Constituição, independentemente da vontade popular.


A urgência por maior transparência das redes nada tem a ver com uma eventual censura dos conteúdos publicados nelas. Muito pelo contrário. A permissão do acesso a esses dados por jornalistas, pesquisadores e outros profissionais complementa o papel vigilante da democracia brasileira. O próprio fato de cobrar por esse acesso, como Musk tem feito desde que assumiu o X, mostra que o objetivo principal ao restringi-lo é o lucro, não resguardar seus usuários.


O que precisa ser entendido é que o combate à desinformação e às notícias fraudulentas não pode ser feito só por parte da imprensa profissional. Esse dever também cabe às plataformas. O financiamento de projetos como o Comprova – conglomerado de verificação de notícias ao qual o Estado de Minas está integrado como parceiro – é um começo, mas o principal passo em direção ao resguardo da democracia só pode ser dado a partir da transparência.