Sempre que o período eleitoral chega, investigar o passado dos candidatos é uma das obrigações da imprensa profissional, justamente para contar ao eleitor aquilo que nenhuma campanha, certamente, divulgará por seus canais oficiais. Aquele que se coloca para ser seu representante já foi multado pelo Ibama por crimes ambientais? Responde por algum caso de trabalho em situação análoga à escravidão? Suas empresas sonegam impostos? Ele mantém contas em paraísos fiscais? Esses são alguns dos rastros seguidos por jornalistas de todo o país para “puxar a capivara” de quem tenta sucesso nas urnas.
Neste ano, contudo, a análise foi prejudicada por uma decisão, no mínimo, intransparente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para fazer todos esses cruzamentos, um dado específico era fundamental: o CPF dos candidatos. Por meio desse registro, se reduz a zero a chance de confundir aquele político com outra pessoa. A solução lógica seria o uso do nome completo, mas, em um país com cerca de 210 milhões de habitantes, a ocorrência de homônimos é mais comum do que parece. Só em Minas Gerais, são 16 “João Batista da Silva” inscritos na base do TSE para as eleições municipais de 2024, mesma quantidade de ocorrências do nome “Maria Aparecida da Silva” nas urnas. Só com a informação do CPF seria possível diferenciar cada um(a) deles(as).
A falta de transparência segue uma resolução do TSE assinada em 2019, mas que só entrou em vigor, de fato, nas eleições municipais deste ano. “Os endereços informados para atribuição de CNPJ, comunicações processuais e do Comitê Central de Campanha, telefone pessoal, e-mail pessoal, número do CPF e o documento pessoal de identificação não serão divulgados no DivulgaCandContas (portal de informações sobre as eleições) e serão juntados como documento sigiloso no processo de registro de candidatura”, informa a Corte em seu dicionário de dados, documento que norteia a disponibilização de informações por parte do tribunal.
O mau uso da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) chama a atenção, pois na decisão se confunde o resguardo dos candidatos com a falta de transparência. Ao menos, era obrigação do tribunal gerar um novo registro, que fosse suficiente para diferenciar os candidatos, em nome do interesse público e da fundamental vigilância da democracia brasileira. É direito do eleitor saber o passado de quem se coloca como resolução dos problemas da sociedade.
A decisão também não se mostra coerente. Quando se consulta os doadores de campanha no portal do TSE, chama atenção que o CPF dessas pessoas físicas permanece disponível para consulta do cidadão. Essas pessoas não deveriam, em tese, ter os mesmos direitos dos candidatos, já que a decisão do tribunal se baseia na LGPD?
O mesmo vale para eleições anteriores. Se o objetivo realmente for proteger os dados pessoais dos candidatos, o TSE deveria, obrigatoriamente, retirar do ar certidões disponíveis em seus sites, que trazem informações como o CPF, RG, e-mail e telefones de quem concorreu nas urnas até 2022.
A falta de transparência do tribunal coloca em xeque reportagens importantes, como a feita pela Agência Pública em 2022, quando 251 candidatos Brasil afora somavam R$ 84 milhões em multas ambientais. Entre esses estavam três governadores: Helder Barbalho (MDB-PA); Antônio Denarium (Progressistas-RR); e Ivo Cassol (Progressistas-RO). Desses, apenas Cassol não se reelegeu.
Também impede a verificação dos bens declarados pelos candidatos. Como a Corte não obriga os políticos a declarar tudo aquilo que são proprietários, é comum que uma ou outra chapa esconda CNPJ’s com potencial de desgaste perante a opinião pública, como empresas com muitos processos trabalhistas abertos, ou até mesmo companhias que têm ações em andamento contra a prefeitura na qual o(a) candidato(a) tenta se tornar chefe do Executivo, o que configuraria conflito de interesses, não é mesmo?
Além disso, até o presente momento, não houve a divulgação de casos de golpe que envolvessem dados pessoais dos candidatos em eleições anteriores, que seriam justificativa para a decisão do TSE. Nem mesmo tentativas vieram a público. Se tal situação ocorreu de maneira recorrente, seria dever da Corte informar as motivações da polêmica resolução.
A medida, na prática, prejudica o eleitor em primeiro lugar. Em tempos nos quais o uso indevido da inteligência artificial (IA) e das redes sociais tanto prejudica o processo democrático, a partir de um compartilhamento em massa de notícias fraudulentas, o interesse público fica comprometido quando tais cruzamentos de informações se tornam impossíveis.