A Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira (11) um projeto de lei que aumenta a pena para feminicídio e para crimes cometidos contra a mulher. Condenados por assassinato contra mulheres motivado por violência doméstica ou discriminação de gênero terão pena mínima de 20 anos, e máxima de 40 anos. Atualmente, a lei prevê que o feminicídio deve ser punido com prisão de 12 a 30 anos. O projeto segue para sanção presidencial.

As penas serão aumentadas em 1/3 caso a vítima esteja grávida ou nos três meses após o parto, quando as vítimas forem menores de 14 anos ou maiores de 60 e/ou quando o crime tenha sido cometido na presença de filhos ou pais da vítima. Em vez de cumprir 50% da pena no regime fechado para passar ao semiaberto, será necessário cumprir 55%, porém, não haverá liberdade condicional.

No mesmo dia, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que condenados por júri popular devem ser presos imediatamente. O Tribunal do Júri julga autores de crimes dolosos contra a vida, como homicídio, latrocínio e feminicídio. Na estrutura do Judiciário, ele corresponde à primeira instância. Portanto, mesmo preso, o condenado ainda pode recorrer da sentença à segunda instância e a tribunais superiores.

O assassinato de mulheres em contextos discriminatórios recebeu a designação de feminicídio para dar mais visibilidade à violência contra a mulher. Na última década (2012-2022), ao menos 48.289 mulheres foram assassinadas no Brasil. Somente em 2022, foram 3.806 vítimas, o que representa uma taxa de 3,5 casos para cada grupo de 100 mil mulheres. Ainda assim, o enfrentamento dessa violência extrema não está no centro do debate público com a intensidade e profundidade necessárias diante da escala do problema.

Trata-se de um crime de ódio. O conceito surgiu na década de 1970, com objetivo de reconhecer e dar visibilidade a discriminação, opressão, desigualdade e violência sistemática contra as mulheres, cuja escalada culmina em morte.

Essa forma de assassinato não constitui um evento isolado, repentino ou inesperado: faz parte de um processo contínuo de violências, cujas raízes são misóginas. O que inclui uma vasta gama de abusos, desde verbais, físicos e sexuais, como o estupro, e diversas formas de mutilação e de barbárie.

A partir da Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2015), os casos de feminicídio passaram a ser monitorados oficialmente. Entretanto, para que essa lei tenha pleno efeito é preciso arrancar as raízes discriminatórias da invisibilidade e coibir a impunidade. A morte de mulheres em conflitos de trânsito, por exemplo, não é considerada feminicídio. É tratada como homicídio comum, mesmo sendo evidente que o crime está associado à misoginia.

É importante ressaltar a responsabilidade do Estado, principalmente das autoridades policiais e do Judiciário, nesse cenário de violência contra a mulher. Muitas vezes o Estado, por ação ou omissão, é conivente com a persistência da violência contra as mulheres, inclusive quando ela chega ao extremo da letalidade. O feminicídio é a ponta de um iceberg. Apenas o endurecimento das penas por esse crime não resolve a complexidade do problema.

Outras violências se desdobram em escalada até o assassinato. Quando o feminicídio acontece, outras medidas falham. A discriminação começa com a atribuição de qualidades e traços de temperamento diferentes a homens e mulheres, que delimitam seus espaços existenciais e são considerados “inatos”, com os quais se nasce, algo supostamente “natural”, decorrente das distinções corporais, em especial daquelas associadas às suas diferentes capacidades reprodutivas. A desigual distribuição de poder entre homens e mulheres seria resultado dessas diferenças, é “naturalizada”.

O feminicídio é a expressão fatal das diversas violências que podem atingir as mulheres em sociedades marcadas pela desigualdade entre os gêneros masculino e feminino, por razões históricas, culturais, econômicas, políticas e sociais discriminatórias.