O fogo não dá trégua, as labaredas se alastram por grande parte do território brasileiro, e, junto à destruição já causada a tesouros naturais como Amazônia, Pantanal e Cerrado, há ameaças a joias do patrimônio nacional. Neste início de primavera, com expectativa para as chuvas, ainda estão quentes na memória as cenas do incêndio no entorno do Santuário do Caraça, em Minas Gerais, que ficou envolto, a partir do dia 15, numa nuvem de fumaça com cerca de 20 quilômetros de extensão. De tão grave, o cenário impediu até o voo de aeronaves destinadas ao combate.


As chamas consumiram centenas de hectares da vegetação da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) do Caraça, com severos danos não só à vegetação, que abriga espécies em risco, como à rica fauna local, na qual se destaca o lobo-guará. A situação no complexo histórico, turístico, paisagístico e religioso do século 18, atrativo para gente do mundo inteiro, alarmou hóspedes e criou dificuldades no acesso ao santuário.


Em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), as monjas do Mosteiro de Macaúbas, construção de 310 anos, redobraram as preces para afastar a tenebrosa proximidade do fogo. E passam das palavras à obra, conscientes de que com fogo não se brinca, e uma faísca pode fazer estragos irreversíveis, as religiosas mantêm, sempre preservado, o aceiro em volta da construção de 11,5 mil metros quadrados.


Também em Morro Vermelho, em Caeté, na Grande BH, berço da Guerra dos Emboabas (1707-1709), os sinais de perigo deixam moradores com os nervos à flor da pele. E sempre alertas. Além de o fogo ter transformado em cor de carvão o monumento natural que batiza o distrito, a comunidade estimada em cerca de mil pessoas, muitas delas em busca de atendimento médico devido à fumaça, teme pelos seus bens culturais. Só lhes restou recuperar o ritual de rezar aos pés da “santa cruz” para pedir água do céu.


Nessa temporada, a vegetação seca vira combustível certo. E as unidades de conservação e extensas matas no entorno das capitais e cidades de maior porte se tornam presa fácil das chamas. O Parque Nacional da Serra do Cipó, a 100 quilômetros de Belo Horizonte, ardeu durante vários dias, em agosto, deixando um rastro de 8,5 mil hectares queimados. A proximidade das casas preocupou moradores.


Bem longe dali, no Pantanal, no Mato Grosso do Sul, foram verificados prejuízos de bilhões para a economia, incluindo a pecuária de corte, o setor sucroenergético e a silvicultura. Os impactos no agro se somam aos danos à infraestrutura das propriedades. Mais do que nunca, vale destacar que a vida humana está em primeiro lugar, e tudo deve ser feito para impedir perdas.


Durante a longa estiagem, o combate ao crescimento contínuo das queimadas, que põem em risco grande parte do país, exige controle, pulso firme, determinação e medidas para impedir mais destruição e que não se repitam de forma tão avassaladora na próxima estação seca. Uma das bandeiras do atual governo federal, o meio ambiente, tem saído combalida. Afinal, depois da tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul, ainda sofrendo com as consequências das cheias, veio o fogo para não deixar pedra sobre pedra. E dar suas lições.


Visivelmente abalada, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, diz que cerca de 58% do território brasileiro sofre com a seca, estando um terço em “seca severa”, portanto vulnerável a grandes incêndios. A ministra denunciou ainda a existência de terrorismo climático, com pessoas se aproveitando das mudanças climáticas para agravar o problema. Falta agora dar os nomes.


Com as chamas consumindo há meses os biomas, o governo federal garantiu a liberação, via medida provisória, de um crédito extraordinário de R$ 514 milhões. Enquanto isso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) reforça as medidas de contenção com mais R$ 400 milhões. É de se esperar que, juntamente com os recursos, haja uma campanha de conscientização para se evitarem novas agressões ao meio ambiente.


Que as irmãs de Macaúbas sirvam de exemplo na defesa do patrimônio natural e histórico: sempre de olho e atentas para proteger as matas do fogo cruzado. Na primavera que começou ontem, o Brasil está, sem exagero, entre a cruz e a fogueira. Haja prece!