Há uma gramática do cuidado que precisa ser, cada vez mais, aprendida, pois é essencial ao equilíbrio das relações sociopolíticas e um efetivo caminho para a paz. A cultura do cuidado constitui um conjunto de valores civilizacionais a ser reconhecido e assimilado por todos, em cada situação do cotidiano, em todas as etapas da vida. Um legado a ser transmitido, especialmente, às novas gerações, para estabelecer contraponto ao caos provocado por muitas disputas e indiferenças – vetores destrutivos da vida que ferem a dignidade humana, alimentando a desigualdade social e a apatia diante das situações de exclusão, de discriminação. Os muitos exemplos que expressam a cultura do cuidado precisam inspirar aprendizados, iluminando o horizonte de um novo tempo. Sabe-se de muitos e luminosos testemunhos de caridade, contrastando com variadas formas de indiferença que retardam a construção de uma sociedade solidária. Sem a cultura do cuidado, ao invés de se encontrar caminhos para a paz, convive-se com dolorosos recrudescimentos da violência, com a alimentação de perversidades, adoecendo as pessoas – cada vez mais incapacitadas para reger a própria vida como um dom de Deus, na tarefa de construir uma sociedade solidária e fraterna.


Para erradicar a cultura da indiferença e do descarte deve-se investir na cultura do cuidado, via direta e eficiente na promoção do bem comum, um compromisso cidadão inegociável. A priorização do bem comum depende, diretamente, da sensibilidade social dos cidadãos, que precisam reconhecer: todos são interdependentes. Vale lembrar a indicação do Papa Francisco quando diz que todos estão no “mesmo barco”, um simbolismo que remete ao especial compromisso de cuidar uns dos outros, para que cada pessoa possa viver de maneira digna. Todos são chamados a “remar juntos”, sublinha o Papa Francisco, acrescentando: “Ninguém se salva sozinho”.


A solidariedade é a mais nobre expressão do cuidado, expressão de amor pelo semelhante. Não se limita, pois, a um sentimento restrito ou vago. Desdobra-se em um agir com determinação para promover o bem comum. Trata-se de caminho para efetivar projetos capazes de impulsionar o desenvolvimento integral. A luz da solidariedade ilumina um fecundo encontro com o semelhante. Uma proximidade efetivada por motivações que vão além de simples afinidades – muitas vezes alimentadoras de preconceitos, discriminações e indiferenças. O coração solidário dedica-se às ações que respeitam o semelhante, não tratando ninguém com indiferença. A indiferença mata e provoca imensuráveis prejuízos. Por isso, também o agir solidário deve marcar a relação do ser humano com o meio ambiente, considerando a urgência de se solucionar problemas graves, a exemplo da seca e de muitas catástrofes climáticas. Cuidar da Criação de Deus é tarefa inadiável, que pede atenta e sensível escuta dos mais pobres, para que seja adotado um novo estilo de vida, em harmonia com os parâmetros da sustentabilidade.


Cuidar do conjunto da Criação é compromisso indissociável do agir com ternura em relação ao semelhante, respeitando a sua dignidade – um dever ético. Todos são instados a buscar o bem comum, cultivando sentimentos que alimentam relacionamentos solidários. Desse modo, dedicar-se ao cuidado dos que sofrem, especialmente dos pobres. Importante destacar que governantes e construtores da sociedade pluralista são os primeiros responsáveis na tarefa de alimentar a cultura do cuidado, combatendo privilégios e zelando pelo adequado uso do que é destinado ao bem de todos. Os líderes devem inspirar e ser exemplo, mas todos têm o dever de ajudar na propagação da cultura do cuidado, com especial sensibilidade diante da situação de migrantes, por várias e sérias razões – políticas, climáticas e econômicas. É preciso sensibilizar-se e agir para superar o mapa da fome. Também para garantir, a todos, o direito ao trabalho e à habitação, essenciais à dignidade humana. Todas essas urgências apontam para a necessidade de um amplo processo educativo, capaz de impulsionar a cultura do cuidado.


O processo educativo dedicado a promover o cultivo do cuidado deve envolver cada família, onde são fundamentadas as habilidades essenciais para exercer o respeito e desenvolver a capacidade para partilhar. Não menos importante é o papel de escolas, universidades e meios de comunicação, capazes de ajudar na consolidação do entendimento sobre a sacralidade intocável de cada ser humano. Muito relevante no aprendizado sobre a sacralidade humana, a prática religiosa é caminho espiritual com qualificada força educativa, alimentando convicções louváveis e eficazes. Os cristãos, pela fé, assumem o compromisso de seguir os passos de Jesus, mestre do cuidado, que ofereceu a sua vida para garantir vida plena à humanidade. Especialmente os primeiros cristãos, de maneira exemplar, praticavam a partilha, para que ninguém, em suas comunidades, padecessem com a falta de amparo. Um compromisso de fé que inspirou a Igreja a investir em obras de misericórdia.


As obras de misericórdia são selos de autenticidade para a fé, alimentando o voluntariado dedicado aos pobres, inspirando a motivação para lutar por políticas públicas inclusivas, comprometidas com a efetivação da igualdade social. A sociedade precisa ser inspirada por práticas solidárias, de diferentes modos. Isto significa que cada pessoa precisa reconhecer a sua condição de servidor, inscrevendo-se na gramática do cuidado, buscando promover a dignidade humana e o incondicional respeito ao meio ambiente. Cuidar, apelo permanente, compromisso que, se for assumido, de modo amplo e como valor cultural, pode semear equilíbrio no atual contexto sociopolítico e ambiental, para superar descompassos que ameaçam a vida do ser humano.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

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