O apito final do jogo eleitoral na maior parte das cidades brasileiras mostra um cenário já esperado. Os partidos de centro, como PSD e MDB, lideram o número de prefeituras conquistadas no país, ainda que moradores de 52 municípios tenham que votar novamente, desta vez em segundo turno, em 27 de outubro. Enquanto a legenda comandada por Gilberto Kassab conquistou 882 executivos, a encabeçada pelo deputado federal Baleia Rossi faturou 856. Ambas superaram com folga a polarização PL e PT, siglas que juntas venceram em 760 localidades – 512 por parte da agremiação capitaneada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e 248 por intermédio do grupo ligado ao presidente Lula.

Ainda que tenham os maiores líderes políticos do Brasil, PT e PL estão longe de controlar o fluxo político do Legislativo. Durante seus quatro anos de mandato, Bolsonaro encarou muita resistência do Congresso Nacional e precisou adotar estratégias de pouquíssima transparência, como o orçamento secreto, para garantir a aprovação de políticas públicas que o interessavam. A caneta mudou de mãos, mas a realidade encarada por Lula não é diferente, a partir de um diálogo complicado sobretudo na Câmara dos Deputados, chefiada por Arthur Lira (Progressistas-AL). Esse cenário motivou o petista a lotear seus ministérios, hoje recheados de políticos com pouca aderência com o campo progressista.

Quem acompanha o noticiário de perto em Brasília sabe que quem manda na narrativa política do país é o chamado Centrão, composto por inúmeros partidos que em sua grande maioria não têm compromisso com quaisquer ideologias políticas. Em suma, a maior parte de quem os representa pensa na manutenção do poder, principalmente a partir do dinheiro das emendas parlamentares, peça-chave para entender o quebra-cabeça formado no último domingo.

É evidente que os desempenhos de PSD e MDB são apenas ilustrativos, já que o Centrão abarca outras legendas, como o PP de Lira, o Republicanos e o União Brasil – que estão entre os 10 partidos com mais prefeitos eleitos. Contudo, há em comum entre eles um modus operandi já conhecido: o uso das emendas parlamentares em benefício próprio.

Desde 2020, o orçamento secreto cumpre papel fundamental para a manutenção no poder daqueles que já o ocupam. As chamadas transferências diretas, ou emendas pix, dão aos deputados e senadores a possibilidade de destinar recursos do orçamento para suas bases eleitorais, sem compromisso com a transparência. Na prática, um parlamentar encaminha verba para uma determinada cidade sem especificar sua finalidade, o que permite ao prefeito local gastá-la como bem entender. O mecanismo dá brecha para desvios ou, no mínimo, aplicação indevida de um dinheiro que pertence a todos nós.

Como o Centrão é maioria no Congresso, essa fatia dos parlamentares controla não só boa parte da governabilidade do(a) presidente da República, seja ele(a) de esquerda ou de direita, mas garante sua perpetuação no poder ou até mesmo o crescimento, como o registrado nas eleições do último domingo.

Diante de tal panorama, pouco tem efeito medidas como as realizadas pelo TSE recentemente para ampliar a representatividade nos cargos públicos. Números apurados pelo EM nos últimos dias mostram que 91% dos prefeitos eleitos em Minas são homens. Apenas 2,8% são pretos. O número de candidaturas registradas dessas camadas da população historicamente alijadas do processo eleitoral cresce a cada pleito, mas essa alta não é convertida efetivamente em ocupação desse espaço público. Em BH, novamente, dois homens brancos vão disputar o segundo turno – tendência da maior parte das grandes cidades brasileiras.

Ao pensar no futuro da democracia representativa é preciso elaborar mecanismos que diminuam o poder daqueles que já têm muito. O primeiro passo dessa necessária transformação é o fim do orçamento secreto em nome da transparência. Afinal, se o dinheiro é público, nada mais justo que o eleitor saber cada detalhe de como ele é usado.