Por Vinicius Garzon Tonet

 

O debate sobre a mudança da bandeira de Belo Horizonte tem sido tímido. Apesar da falta de capilaridade da discussão, ela existe e já faz parte da história da cidade. Acredito, porém, que pontos fundamentais dessa disputa estão sendo negligenciados. Por isso, é interessante trazer ao debate reflexões sobre a matriz conceitual por trás da confecção da nova proposta. Ela está no livro Bandeira Bonitas, Bandeiras Feias: como desenhar uma boa bandeira (2013), de Ted Kaye, publicado pela Associação Vexilológica Norte-Americana (NAVA), que reúne estudiosos de bandeiras e estandartes. Assim poderemos avaliar camadas de significação simbólica ignoradas pelo dogmatismo minimalista da bandeira elaborada pelo designer Gabriel Figueiredo, candidata a tomar o posto de símbolo da capital.

 

Críticos enfatizam que essa não era uma demanda dos belorizontinos e que apenas uma sugestão de bandeira foi apresentada. Para eles, o processo seria pouco democrático e viciado, pois representaria a vontade de alguns vereadores, não da sociedade. Argumentam que custos desnecessários seriam gerados para a adequação da PBH à nova bandeira. Outros suspeitam de desvirtuamento da utilização da estrutura pública para o marketing privado de entes ligados ao desenho da nova proposta, vista como um produto comercial. Do ponto de vista gráfico, é a remoção do desenho do Pico Belo Horizonte que causa discórdia e tem sido interpretada como um sintoma da vitória das mineradoras sobre o nosso maior patrimônio natural.

 

 

Por outro lado, os defensores da mudança afirmam que brasão e bandeira são objetos distintos. Por isso, o brasão estaria desempenhando função incompatível com a sua natureza. Alegam que bandeiras devem possuir poucos elementos, ser simples e geométricas, a ponto de uma criança conseguir desenhá-las com facilidade. É com base nesses pressupostos que dizem que a nova proposta não teria suprimido a Serra do Curral, já que estaria implicitamente incorporada no triângulo verde do desenho, de onde sai o sol. Acusam a atual bandeira de burocrática, desconhecida da população e de não ter se consolidado como tradição urbana. Além disso, rebatem a questão de que os gastos da mudança seriam altos e dizem que a sua aprovação poderia gerar benefícios econômicos para pequenos comerciantes e empresas interessadas na venda de objetos com o símbolo.

 



 

Esse é mais ou menos o tabuleiro no qual o debate tem se desenrolado. Entretanto, as referências à publicação Bandeiras Bonitas, Bandeiras Feias ainda não encontraram lugar no debate, apesar de citada por Gabriel Figueiredo em seu portfólio virtual, em que o projeto da bandeira é apresentado ao lado de logomarcas desenvolvidas pelo designer, todas elas muito bonitas e agradáveis visualmente. E por que seria relevante evidenciar essa base teórica? Ora, antes de mais nada, caso a proposta seja aprovada, essa bandeira possuirá uma história e chegaremos, inevitavelmente, ao panfleto de Ted Kaye. É bom que o povo de Belo Horizonte tenha consciência disso. Segundo o americano, existiriam cinco princípios universais e derradeiros “para se desenhar uma boa bandeira: simplicidade, simbolismo claro, poucas cores, evitar frases e emblemas, ser distintiva ou estar relacionada”.

 


São esses os fundamentos daquilo que chamo “dogmatismo minimalista”. Trata-se da crença de que bandeiras devem ser reelaboradas seguindo à risca esse minimalismo abstrato, pretensamente superior e a-histórico, que impõe critérios particulares como gerais. Essa perspectiva revela-se reducionista, uma vez que hierarquiza símbolos a partir de normas gráficas e circunstanciais do contexto norte-americano. A vitória da nova bandeira será o triunfo dessa visão técnica, que ignora coordenadas históricas, sociais, culturais que estão contidas nas bandeiras. Hoje, nos Estados Unidos, há um grande movimento respaldado nos postulados citados para a substituição de bandeiras estaduais. O receio é que isso gere uma homogeneização simbólica análoga ao que acontece com rótulos comerciais, a depender da moda do dia. Nesse ponto, é apenas uma constatação factual, não uma acusação, que a nova proposta seja apresentada, no site de seu criador, ao lado de slogans de bebidas alcoólicas e identidades visuais de restaurantes, produtos e exposições.

 


Já na página do Instagram destinada a realizar a propaganda da nova alternativa, percebe-se uma reprodução mecânica daquilo que está contido em Bandeiras Bonitas. O lema dos partidários da alteração tornou-se “Brasão não é Bandeira” como se essa fosse uma definição cabal, que encerrasse o assunto, restando à cidade reconhecer sua posição atrasada em relação aos parâmetros firmados pelos doutos membros da sociedade vexilológica dos Estados Unidos e do Canadá. Mas por que brasão não seria bandeira, se a experiência evidencia que é muito comum a utilização de brasões como bandeiras? Sobretudo no que diz respeito às cidades. Estaria toda uma tradição simbólica equivocada, porque passamos a acreditar que uma bandeira é apenas “um símbolo gráfico”? E que, assim, esse “símbolo gráfico” poderia ser melhorado a partir de projetos individuais de design, como recomendado nas considerações finais do livro de Kaye?


Desse modo, oponho-me ao desdém com que a história da nossa bandeira tem sido tratada. Ao contrário do que dizem, ela não foi “inventada” em 1995. Mesmo se aceitássemos tal argumento, a nova proposta ainda teria uma desvantagem considerável nesse quesito, já que apareceu em 2024. O que faz a Lei nº 6938/1995 é reconhecer, consagrar e atualizar um emblema centenário, de 1895, elaborado durante a fundação da cidade, desenhado por José de Magalhães, arquiteto do Palácio da Liberdade e de tantos outros projetos. Também não é elemento gráfico insignificante a representação realista, explícita, do Pico Belo Horizonte traçada, desde o princípio, em nosso emblema. Por isso, é preciso respeitar a percepção daqueles que não aceitam que a Serra do Curral seja transformada em uma referência implícita e abstrata para que os princípios de Ted Kaye sejam acriticamente contemplados, tendo em vista que, para Figueiredo, o “desenho irregular” da Serra do Curral “dificulta a reprodução da bandeira”.

 

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Percebe-se que bandeira só não pode ser brasão se utilizarmos os critérios dos interessados em que ela não seja. A defesa feita em Bandeira Bonitas é incapaz de compreender a beleza da variedade de estilos, formas, tons, cores e detalhes, pois pretende reduzi-las a um único padrão. Além disso, lembremos que é Kaye quem diz: “não duplique outras bandeiras, ao menos que a semelhança tenha uma relação histórica, regional, familiar, etc”. Na última semana vimos a identidade quase total entre a proposta de Figueiredo e a bandeira de Nova Aurora, no Paraná, fato que enfraquece a sua ambição de singularidade e originalidade. Por fim, leio na página oficial da nova proposta que “o significado de uma bandeira não é determinado por quem a projetou e muito menos por quem a oficializou, mas sim por quem a usa”. Estou de acordo, abracemos o nosso símbolo centenário.

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