Edgar Candido
Professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Economista
Rodrigo Augusto Prando
Professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Cientista Social
Há tempos, os brasileiros estão convivendo – em seu cotidiano – com apostas realizadas de forma online nas chamadas bets. A fórmula dessas casas de aposta é simples e já conhecida: ganhos fáceis e rápidos. Milhares de pessoas estão, assim, direcionando seus recursos financeiros aos jogos e, especialmente nos últimos dias, foi trazido à tona que muitos dos beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF) também estão apostando e, não raro, endividando-se.
Instituído em 2003, o Bolsa Família é uma ação governamental proposta a dar suporte financeiro às famílias em casos de pobreza e de pobreza extrema. Trata-se de um programa de transferência de renda com condicionalidades: na saúde, acompanhamento do calendário vacinal para menores de 7 anos; na educação, frequência escolar de, no mínimo, 85% para crianças e adolescentes.
Atualmente, a quantidade de famílias favorecidas pelo PBF varia de ano para ano. Hoje, cerca de 21 milhões de famílias recebem esse auxílio, segundo o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social Família e Combate à Fome.
O principal objetivo do programa é reduzir a disparidade socioeconômica e proporcionar uma renda mínima para a parcela da população mais vulnerável. O valor médio recebido – que varia conforme as políticas governamentais – está em torno de R$ 680, ou seja, menos de meio salário mínimo. Destaque-se, ainda, que parte substancial do benefício é direcionado à população preta ou parda (79%) e para a região Nordeste, com cerca de 45%. E, dessa forma, o valor total repassado pelo governo federal é de R$ 14 bilhões.
Desde sua gênese, o PBF é alvo de críticas que, na maioria da vezes, não se sustentam por transitarem do senso comum na direção do puro preconceito. Obviamente, toda política pública pode e deve ser avaliada, apresentando o quão eficaz é e quais as portas de entrada e saída para a população beneficiada.
O impacto psicológico e social em uma população com poucas possibilidades de ascensão social é expressivo e multifacetado e, por isso, essa falta de possibilidade e a luta pela sobrevivência criam um ciclo de desalento e estresse recorrente. Os dependentes do PBF se deparam com consideráveis barreiras estruturais e caem na chamada armadilha da pobreza, situação de difícil superação em função dos poucos recursos financeiros disponíveis no bojo familiar.
A mídia – televisão, jornais e sites – informaram que, a partir de dados do Banco Central, beneficiários do PBF direcionaram cerca de R$ 3 bilhões para as bets em um mês. Isso significa, percentualmente, que algo em torno de 21% da renda do PBF foi transferida para os sites de apostas. Tal fato reclama, essencialmente, um olhar crítico para o quadro em tela. O problema, aqui, é geral, pois atinge todos os brasileiros e não apenas os mais vulneráveis financeiramente. Segundo dados, quase um terço dos brasileiros (30%), de 16 a 24 anos, afirmaram que já apostaram e, não menos importante, o percentual dos jovens é o dobro da média de 15% para todo o país.
Esse cenário pede, portanto, uma profunda reflexão acerca dos jogos, os vícios atinentes a eles e a dependência psicológica gerada, mormente, nos mais jovens e nos mais pobres e vulneráveis. Reagindo aos dados disponíveis, o governo já estuda monitorar e proibir o uso do cartão do PBF para apostas e deputados apresentam projetos de lei para enquadrar as apostas. A política assume seu papel e se mobiliza.
Cabe, no Brasil, uma aposta – essa sim fundamental – que é a valorização da educação, da preparação para o mundo do trabalho e da educação financeira.