MARCO GORINI
CEO do Grupo Din4mo e membro do G20 pelo Impacto

Nas últimas três décadas, o Brasil tem figurado entre os top 5 países com a maior taxa de juro real do mundo. Recentemente, o Copom elevou a taxa de juros, nos colocando como o segundo país com a maior taxa real do mundo, atrás apenas da Rússia, uma nação em guerra. Este é o pano de fundo deste artigo.


Nada foi mais testado ao longo da história do que a vida, que acumula bilhões de anos em uma jornada de adaptação e evolução contínuas. No decorrer deste processo, só foi viável chegarmos até aqui devido à capacidade dos sistemas vivos encontrarem o espaço da homeostase, pois sem ela, não haveria vida possível, mas apenas entropia e, no desfecho, morte.


É a presença da homeostase que garante aos sistemas vivos a coexistência, a harmonia e a sintropia entre as suas partes. O corpo humano é um exemplo fenomenal para entendermos essa questão, pois qualquer desequilíbrio que persista e rompa as fronteiras dos limites traçados pelo “espaço homeostático”, a doença se instala e, no limite, morremos. Não há saúde possível sem homeostase.


Com essa reflexão em mente e amparado nas ciências da microbiologia e da virologia, onde tropismo significa a propensão que um vírus tem em infectar determinado tipo de célula ou tecido em especial, encontrei a inspiração para trazer esse neologismo do “Jurotropismo”. Entendi ser uma metáfora válida, pois nossa realidade atual é a de uma nação infectada por um vírus, que contagia diversas células do seu sistema e compromete a sua existência saudável, homeostática.


Já citava o professor Roberto Crema, “a ilusão da parte é julgar-se o todo. A ilusão do todo é julgar-se sem partes”. O país está infectado pelo vírus do “jurotropismo”, inoculado por uma parte da sociedade, especialmente uma parte do mercado financeiro e os exclusivos rentistas, que, diante da referida citação, é iludida e comporta-se como se fosse o todo, atraída e nutrida pela sua ganância infinita.


Os sintomas são diversos e estão em toda parte, expostas no sofrimento do setor produtivo que precisa subsistir de forma disfuncional para financiar suas operações, no sofrimento das famílias endividadas de forma perversa e cruel, assim como do governo, que administra um orçamento cada vez mais restrito para as políticas públicas que servem a grande maioria da nação. Podemos diagnosticar o contágio do “jurotropismo” em cada balanço das entidades nacionais, sejam empresas, famílias ou governos, todos carregando passivos caríssimos e de curto prazo, drenando recursos de forma inexorável para o mercado financeiro e os rentistas.


O mantra dos “jurotropistas” é “maximizar”. Maximizar a captura de lucros, da forma mais rápida, simples e fácil possível, sempre mais, mais e mais, como se não fosse motivo de análise psiquiátrica acreditar que é possível, em um sistema finito como o planetário, o crescimento e a maximização perpétua.


A verdade é que estamos uma nação refém de uma casta. Vale destacar que primeiramente escrevi “somos”, mas voltei e optei por escrever “estamos”, pois se o que hoje vivemos é fruto de escolhas humanas, apesar do imenso esforço desta casta e seu exército de “especialistas” para naturalizar e legitimar as narrativas, o futuro pode ser diferente, caso escolhas diferentes sejam feitas.


Este vírus está levando o sistema social a agonizar. Ele é fruto de um paradigma ancorado no individualismo filosófico, corrente que nutre a tal crença de que a parte é o todo e, por isso, alimenta escolhas baseadas na premissa falsa de que o ótimo individual leva ao ótimo coletivo e global. Ele se propaga pelos canais de informação, formação e operação do dia a dia. Entretanto, sempre devemos recordar que como todo paradigma, é um constructo social, um mero acordo.


É fato que as finanças são essenciais para a saúde de uma nação e que o Brasil possui um dos sistemas financeiros mais refinados do mundo. Nosso futuro saudável passa, inexoravelmente, pela repactuação do papel do sistema financeiro no acordo social. Temos as competências, os instrumentos, a infraestrutura e a necessidade urgente para avançar nesta direção.


Entretanto, observando o cenário de agonia causado pelo atual acordo disfuncional, algumas perguntas ficam vivas para mim: “Até quando?”, “O que será necessário para a mudança ocorrer?”, “Haverá resiliência para suportar até lá?”, “Sucumbiremos antes?”, “O que devemos fazer quando acordos não funcionam mais?, “Há vontade para mudar?’”


Não tenho respostas e me divido entre nutrir esperanças ou sucumbir ao pessimismo. Os sinais da enfermidade são normalizados e parece que, ainda que graves e com tendência de piora, não tem sido o suficiente para engendrar novas escolhas e um novo rumo.

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