Na última quinta-feira, o Brasil perdeu um de seus maiores documentaristas e, por que não dizer, historiadores. Paraibano de Itabaiana e radicado em Brasília depois de morar no Rio de Janeiro, Vladimir Carvalho era um historiador não de escrever livros ou de conduzir pesquisas acadêmicas, mas de contar histórias reais com imagens. É conhecido o episódio, por exemplo, da surpresa que o jovem causou ao seu colega no curso de filosofia na Universidade Federal da Bahia — ninguém menos que Caetano Veloso — ao mostrar-lhe uma escultura em madeira, feita de sua lavra. Naquele início dos anos 1960, o amor pelo cinema e a sensibilidade para as questões sociais eram pontos em comum entre aqueles dois brasileiros ousados.

“Há pessoas que parecem engrandecer-se por aderirem à luta pela justiça social. Vladimir é o tipo do sujeito que engrandece esses ideais, com sua adesão. E isso pode-se sentir em sua convivência, em sua conversa e em seus filmes”, comentou Caetano sobre o documentarista, ainda nos anos 1970.

A realidade nordestina foi matéria-prima para o olhar de Vladimir Carvalho — autor do clássico ‘O País de São Saruê’ —, mas Brasília serviu como plataforma para disseminar sua arte cinematográfica. A cidade erguida por iniciativa do mineiro Juscelino Kubitschek o motivou a produzir outra obra fundamental, ‘Conterrâneos velhos de guerra’. O pioneirismo de Vladimir Carvalho também se fez presente na Universidade de Brasília, onde foi um dos fundadores do curso de cinema e tornou-se professor emérito. Centro das decisões políticas do país, a cidade ícone do modernismo abrigou um militante do Cinema Novo. Pela lente de Vladimir Carvalho, era possível ver o Brasil real — o Brasil dos candangos, dos nordestinos, dos negros, dos perseguidos políticos.

Referência e mentor de uma geração de cineastas, Vladimir Carvalho guardava um santuário particular. Na Avenida W3 Sul, uma das vias mais tradicionais de Brasília, mantinha a Fundação Cine Memória, um acervo preciosíssimo sobre a produção audiovisual brasileira. Em uma coleção de mais de 5 mil itens, há jornais, revistas, fotografias, filmes, máquinas, câmeras e até mesmo a moviola usada por Glauber Rocha em ‘Terra em transe’.

Poucas semanas antes de morrer, Vladimir Carvalho estava entusiasmado com a possibilidade de se dar uma destinação adequada ao tesouro da Fundação Cine Memória. As tratativas envolvem o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Banco do Brasil, entre outras instituições. Infelizmente, o documentarista partiu antes de ver esse sonho acalentado há décadas tornar-se realidade. Os órgãos oficiais demoraram demais para concretizar essa iniciativa.

Vladimir entrou para a história como um brasileiro que soube retratar, como poucos, o país de seu tempo e vislumbrar o futuro que nos aguarda. É preciso assegurar a permanência do legado dele e de outros documentaristas para a posteridade. Pois foi por meio do trabalho de cineastas como ele que foram registrados momentos decisivos da trajetória do Brasil na segunda metade do século 20. Preservar o acervo documental de realizadores como ele é preservar a história do país. Mas isso deve ser feito com maior celeridade, de preferência ainda a tempo de ser implementado durante a vida do criador de acervos de valor inestimável como o deixado por Vladimir Carvalho.

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