No último domingo, o Brasil assistiu a mais um caso de violência com integrantes de torcidas organizadas como protagonistas. O ataque feito pela Mancha Verde, ligada ao Palmeiras, deixou um membro da Máfia Azul, entidade relacionada ao Cruzeiro, morto na BR-381, onde ônibus foram destruídos e incendiados em Mairiporã, na Grande São Paulo. Outras 17 pessoas ficaram feridas.

As cenas da emboscada logo se espalharam nas redes sociais, principalmente em grupos de WhatsApp. Na mesma velocidade em que os conteúdos foram compartilhados, também apareceram opiniões que repetem chavões já tradicionais quando episódios semelhantes ocorrem. A cobrança é por uma punição exemplar, enquanto torcedores rivais tentam emplacar na agremiação agressora da vez títulos de “torcida mais desleal do país”.

O roteiro já é conhecido por qualquer torcedor mais atento ao noticiário: grande parte da imprensa condena a emboscada, as autoridades prometem uma resposta à altura e os suspeitos da vez negam envolvimento no caso. Enquanto isso, a discussão sobre as reais causas do problema continuam ignoradas. A resposta se concentra sempre na coerção, que joga no mesmo time da ignorância científica.  

Autora do livro "Futebol e Violência" (Autores Associados, 2006), a pesquisadora Heloisa Helena Baldy dos Reis se dedica há anos ao tema. Na publicação que completa em breve 20 anos, ela indica possíveis linhas de combate ao problema nascido nos anos 1980, evidenciando-o como uma questão social não só do esporte, mas também dele.

Em primeiro lugar, a autora ressalta que o futebol é apenas usado como plataforma para a manifestação violenta. Em um contexto social no qual boa parte das pessoas convive com saúde e educação vulneráveis, o desemprego e a falta de progresso, é comum o uso do esporte para reafirmação de comportamentos descontrolados, sobretudo entre os homens.

Cotidianamente colocados em posições de provedores da família, eles, diante das dificuldades socioeconômicas, recorrem ao reforço da masculinidade para se estabelecerem socialmente. A arquibancada se torna um espaço onde aquele cidadão pode se sentir no controle, sem as limitações que o cotidiano lhe impõe. Essa é uma faceta facilmente percebida por quem já frequentou algum estádio de futebol durante a vida, independentemente do clube envolvido. Com a precarização do trabalho, recorrer a manifestações de virilidade é uma saída para muitos, o que torna o campo e bola palcos do machismo sem questionamento coletivo.

É evidente que as soluções para um problema tão complexo não podem nem devem ser apresentadas em um editorial de jornal. O que se cobra aqui é uma reflexão mais aprofundada sobre a violência no Brasil. Ainda que, vale mais uma vez ressaltar, ela vá muito além daquela também vista, no fim de outubro, nos arredores da Neo Química Arena, em São Paulo, horas antes do segundo jogo da semifinal da Copa do Brasil entre Corinthians e Flamengo, clubes que possuem as maiores torcidas do país.

Urge pensar a questão com a profundidade que ela merece, sem vícios e lugar-comum. As punições já conhecidas pelo  torcedor pouco surtiram efeito ao longo dos anos. Proibir adereços e materiais que identificam determinada organizada, jogos com portões fechados e multas monetárias são como enxugar gelo ou balançar as redes em impedimento.

Há, ainda, punições que têm efeitos contrários, muitas delas pautadas no uso da força. A truculência policial, essa também comum fora das quatro linhas, só incentiva ainda mais a sede pela masculinidade, em vez de frear os crimes cometidos pelas organizadas. Medidas sem base científica só servem para dar respostas momentâneas à opinião pública e ignoram a complexidade que envolve a violência em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, como o Brasil.

Aqui também cabe cobrança aos clubes. Mais do que entender as complexidades do ganguismo, é preciso banir do futebol posturas como a do diretor de futebol do São Paulo, Carlos Belmonte, que usou um palavrão para classificar o técnico português Abel Ferreira em março. Não se trata de apenas condenar as conhecidas ligações entre cartolas e líderes de torcidas organizadas, mas ressaltar que o reforço de comportamentos violentos e da semiótica bélica dentro do esporte só incendeiam ainda mais um contexto já inflamado pelo ódio a quem deveria ser apenas adversário.

 

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