Guilherme Ribeiro
Cirurgião plástico
Lembro exatamente da primeira vez que entrei em uma sala cirúrgica. Foi uma sensação indescritível – uma mistura de admiração pela complexidade humana e entusiasmo pelo desafio técnico. A cirurgia plástica, para mim, é a realização dessa fusão entre ciência e arte, é a oportunidade de transformar. Mas se tem algo que a experiência me ensinou é que a verdadeira competência vai além do bisturi. A medicina exige mais do que precisão técnica; demanda coragem para dizer “não”. E não é um “não” qualquer, é aquele que vem quando, no olhar ansioso de um paciente, enxergo uma expectativa ou uma dor que precisa ser acolhida, não encorajada.
E o valor desse “não” ganha ainda mais peso quando consideramos o cenário atual. Hoje, quantas pessoas não definem o que é belo com base em feeds repletos de fotos editadas e posadas? Um padrão rígido e previsível. E, honestamente, considero muito cafona enxergar a beleza como uma equação fixa. Beleza é singular, é diversa. Cirurgia plástica, aquela pela qual sou de fato apaixonado, não é sobre replicar rostos e corpos como se fossem produtos de uma linha de montagem. A pior armadilha para um médico é acreditar que ele está ali para fabricar versões perfeitas de um mesmo ideal. Quantas “Mona Lisas” Leonardo da Vinci pintou? Uma. E é justamente essa singularidade que transforma a obra em algo raro e especial, assim como cada pessoa, com sua própria beleza única e autêntica.
Me recordo de uma jovem que chegou ao consultório com um pedido específico: ela queria o abdômen exatamente como o de uma celebridade famosa. Enquanto me explicava, percebi que o desejo na verdade era uma insegurança gerada por distorções sobre o próprio corpo. Era o momento em que o bisturi precisava ser substituído por palavras. Depois de muita conversa, a minha decisão: não operar. Não foi uma recusa de atendimento, mas um direcionamento. Um ato de cuidado e proteção que só é possível quando o médico demora o seu olhar no paciente e o enxerga sem pressa.
plástica começa muito antes do bisturi. Ela se inicia na primeira consulta, com a escuta. E escutar de verdade não é apenas ouvir o que o paciente diz; é perceber o que ele não fala, é entender o que ele espera e, principalmente, o que ele realmente precisa.
E se a resposta for um “não”, que ele venha com acolhimento e empatia. Porque a prática médica é, antes de tudo, sobre humanidade. É ter a sensibilidade de enxergar o que está além das palavras e o compromisso de proteger o que há de mais precioso em cada paciente: sua vida e sua essência.