Divulgado na semana de encerramento da 16ª edição da COP da Biodiversidade, em Cali, na Colômbia, e a poucos dias do início da 29ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP29), em Baku, no Azerbaijão, uma pesquisa traz dados consistentes sobre a necessidade de o debate sobre a crise climática ganhar novos contornos. Nortear soluções considerando apenas a mitigação dos impactos econômicos e a adoção de medidas de preservação ambiental não é mais suficiente. A urgência é também de saúde pública.
Na renomada revista científica The Lancet, 122 especialistas de 57 instituições acadêmicas alertam que as ameaças à saúde chegaram aos níveis mais preocupantes da história, com recordes de custos humanos. É o pior cenário traçado pelo grupo de especialistas nos oito anos de análise. O grupo é enfático: o tempo perdido está sendo pago em vidas. Principalmente as dos mais vulneráveis.
Globalmente, as mortes relacionadas ao calor em pessoas com mais de 65 anos aumentaram 167%, considerando o período de 2014-2023 e a década de 1990. Se as temperaturas não tivessem mudado, esperava-se uma elevação de 65% no período, sobretudo em razão das mudanças demográficas. A crise climática, porém, atropelou líderes mundiais, gestores em saúde e as soluções por eles adotadas. Na avaliação de Wenjia Cai, copresidente do grupo de cientistas, as respostas institucionais apresentadas não conseguem acompanhar o ritmo crescente das ameaças às vidas humanas.
A situação do Brasil é destaque no relatório. No país, a exposição ao calor aumentou 250% entre menores de 1 ano e 231% entre maiores de 65 anos, comparando os períodos de 2014-2023 e 1986-2005. Essa temperatura em alta é extremamente favorável ao Aedes aegypti – o risco de transmissão da dengue é 11% maior considerando os dois intervalos de tempo analisados. Há de se ressaltar que os brasileiros enfrentam o pior ano da série histórica de mortes em razão da doença – são 5.661 em 10 meses, contra 1.179 em 2023 e 1.053 em 2022 – e medidas para inverter o gráfico de 2025 precisam ser adotadas o quanto antes.
Também é para agora, segundo os pesquisadores, que mais dólares gastos em combustíveis fósseis sejam redirecionados para proteger a saúde e o bem-estar da população. É verdade que há sinais de uma maior abertura para o tema na conferência do clima. A COP do ano passado, nos Emirados Árabes, debateu, pela primeira vez, em uma sessão oficial, os impactos dos gases de efeito estufa na saúde humana. O documento final, também de forma inédita, cita a necessidade de “redução dos impactos à saúde em comunidades vulneráveis”. Mas, diante da gravidade do quadro, é preciso mais.
Espera-se que o documento deste ano seja mais direto sobre as medidas capazes de mitigar os impactos da crise ambiental sobre a saúde humana. Relatório inédito divulgado pelo Fórum Econômico Mundial em janeiro estima que, até 2050, os eventos climáticos podem levar à morte 14,5 milhões de pessoas no planeta. São quase meio milhão de mortes por ano. “Nenhum indivíduo ou economia do planeta está imune”, alerta a equipe de Wenjia Cai. É extremo o risco de reverter o limitado progresso feito e “colocar um futuro saudável ainda mais fora de alcance”.