Por longos anos, o exercício do sufrágio esteve nas mãos de seletos grupos políticos: no Brasil monárquico, sequer existia, de modo que o poder era emanado de um único soberano: o Rei. Foi somente com a Constituição da República, em 1891, que o exercício do voto foi constitucionalmente garantido – ainda que adstrito a oligarquias e demais categorias sociais que gozavam de privilégios.

Historicamente, a luta pelo direito ao sufrágio foi árdua e somente com a Assembleia Constituinte que daria corpo à nossa Constituição é que a universalidade se tornou característica associada ao exercício do direito político. É na redemocratização que o Brasil e seus cidadãos escrevem uma nova história.

No último domingo, várias cidades do Brasil passaram pelo segundo turno das eleições municipais, colocando para o eleitor o dever do exercício constitucional da cidadania, por meio do voto. A Constituição brasileira prescreve uma série de garantias acerca dos direitos políticos, dentre elas o direito ao sufrágio universal, além da proteção intocável do voto direto, secreto, universal e periódico.

Em 2024, muita coisa mudou e, ao que parece, o exercício do voto deixou de ser ferramenta prioritária para os cidadãos. Somente em Belo Horizonte, foram 636 mil eleitores que se abstiveram de votar. Além de ser um recorde de abstenções, o dado traz outra consequência: o número de abstenções ultrapassou o número de votos dados ao segundo colocado: foram 577.537 votos para o candidato Bruno Engler (PL).

Mas, afinal, o que esse dado tem a nos revelar?

Primeiramente, é possível atribuí-lo à facilidade na justificativa dos votos. Com o aplicativo “e-título”, disponibilizado pela Justiça Eleitoral, justificar a ausência nunca foi tão simples, bastando abrir o app e clicar em “justificar o voto”. A tecnologia, utilizada a favor do processo eleitoral, merece elogios e revela o quanto essa ferramenta pode ser fundamental para as eleições.

Não obstante, uma análise mais profunda demonstra um outro cenário: a insatisfação do eleitor. O crescente contexto de corrupção, aliado à ausência de propostas concretas de transformação nos municípios, além da desmoralização dos debates públicos e das trocas de ofensas generalizadas entre os candidatos, levam o cidadão a crer que o exercício do seu voto não será capaz de realizar mudanças significativas. O sinal de alerta se acendeu e é preciso estar vigilante em relação a ele.

Não se pode incutir no eleitorado a ideia de que a democracia morreu, ou de que o voto possui pouca serventia. Pelo contrário: está mais do que clara a necessidade de se atentar ao exercício do direito político como nossa mais potente ferramenta de mudança político-social. Afinal, aqueles que usurpam o poder dependem – não somente, mas majoritariamente – do nosso voto de confiança enquanto cidadãos titulares de um poder valioso.

Está mais do que na hora de usar esse mecanismo a nosso favor, ou veremos amargar a democracia que tanto se almejou nos idos do final da década de 1980. Que as eleições de 2024 sejam capazes de demonstrar isso ao povo brasileiro!


Dilermando Martins

Mestre em Ciências Sociais e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). É professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo (UP)