Moçambique celebrará 50 anos de independência em 2025. Após uma década de guerra contra o colonialismo português, a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) assumiu o poder e manteve o controle político desde então, elegendo cinco presidentes: Samora Machel (1975-1986), Joaquim Chissano (1986-2005), Armando Guebuza (2005-2015), Filipe Nyusi (2015-2024) e, agora, Daniel Chapo. No entanto, a continuidade do partido Frelimo no poder gera insatisfação e questionamentos entre a população.


As eleições presidenciais de 9 de outubro de 2024 trouxeram a vitória de Chapo, mas provocaram manifestações em várias cidades, incluindo a capital Maputo. Muitos moçambicanos questionam a legitimidade do processo eleitoral, com denúncias de fraudes e repressão contra opositores. As principais alegações incluem manipulação de votos, acusações de conivência da Comissão Nacional de Eleições (CNE) com a Frelimo e casos de intimidação, suscitando protestos que pedem mais transparência nas eleições.


A oposição, representada pela Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), Partido Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos) e Movimento Democrático de Moçambique (MDM), criticou o resultado eleitoral. Venâncio Mondlane (Podemos) denunciou a interferência da Frelimo no processo, partido que obteve 70,67% dos votos. Observadores internacionais e organizações de direitos humanos apontaram indícios de irregularidades, especialmente nas províncias onde a oposição possui maior influência.


A baixa participação eleitoral de 43,48% reflete a desconfiança na integridade do processo, somada a questões de representatividade e desmotivação política. Em áreas rurais, dificuldades logísticas para votar agravaram a situação.


Chapo, visto como líder jovem e carismático, é apoiado como uma promessa de modernização e reformas econômicas. Com 47 anos e nascido em Inhambane (sudeste do país), ele é para a Frelimo uma tentativa de renovação que visa atrair jovens e a classe média. No entanto, críticos argumentam que ele representa a continuidade das políticas de concentração de poder e símbolo da hegemonia continuada do partido.


O sistema eleitoral moçambicano combina eleições diretas para a presidência e um sistema proporcional para a Assembleia da República, composta por 250 deputados. Em 2024, a Frelimo conquistou 195 assentos, enquanto a oposição assegurou apenas 51: 31 do Podemos, 20 da Renamo e 4 do MDM. Logo, o sistema eleitoral é amplamente criticado pela falta de independência da CNE e por falhas no monitoramento eleitoral, com denúncias de desaparecimento de urnas e restrições ao trabalho dos observadores. Para muitos eleitores e líderes oposicionistas, esses incidentes refletem a tentativa da Frelimo de garantir seu domínio no parlamento e no Executivo, manipulando o sistema para minimizar a representação da oposição.


A vitória de Chapo não trouxe estabilidade imediata. Desde o anúncio dos resultados, protestos surgiram nas principais cidades. Manifestantes exigem auditoria independente e criticam a repressão ao direito de livre expressão. As tensões aumentaram após os assassinatos de Paulo Guambe e Elvino Dias, colaboradores de Venâncio Mondlane, em 18 de outubro. Mortos a tiros em um bairro central de Maputo, esses e outros homicídios são vistos como atos de intimidação contra opositores da Frelimo. Além de trágicos, esses episódios representam um grave atentado à democracia e elevam os temores de repressão crescente.


O novo governo de Chapo enfrenta o desafio de promover reformas para restaurar a confiança pública e fortalecer a democracia. Entre as demandas estão auditoria independente e um compromisso mais firme com o diálogo. Se deseja consolidar seu mandato, Chapo precisa adotar uma postura inclusiva, abrindo espaços para participação da sociedade civil e da oposição.


Enquanto isso, a oposição se mobiliza. Em 29/10, Mondlane convocou uma greve geral para iniciar em 31/10, além de uma manifestação nacional em Maputo no dia 7/11, hoje. A convocação, em repúdio aos assassinatos de líderes oposicionistas e manifestantes, inclui um complicado apelo ao “sacrifício” para uma “luta de libertação” e justiça.


A situação em Moçambique atrai a atenção da comunidade internacional, especialmente do Brasil, com quem mantemos fortes laços históricos e comerciais. Recentemente, o Itamaraty emitiu uma nota manifestando “consternação” com os assassinatos de Elvino Dias e Paulo Guambe e pedindo investigação transparente. No entanto, além de uma declaração, é necessário um apoio diplomático mais ativo, incentivando o diálogo entre governo e oposição para evitar a escalada dos conflitos.


A diplomacia internacional pode ter um papel essencial ao fomentar o diálogo e a mediação entre as partes, ajudando a prevenir conflitos maiores. As tensões atuais colocam à prova o compromisso de Moçambique com a democracia. Sem ação conciliatória e reformas, o país corre o risco de intensificar o ciclo de desconfiança e repressão, com consequências imprevisíveis para a estabilidade regional.

 

Vanicleia Silva-Santos

Professora especialista em História e Arte da África e da Diáspora. Curadora da Coleção Africana no Penn Museum na University of Pennsylvania, EUA