A indefinição do governo Lula em relação ao corte de gastos, somada a outros fatores internos e externos, põe a economia brasileira em um momento delicado. Na última sexta-feira, o dólar fechou o dia cotado a R$ 5,869 – o maior patamar desde maio de 2020 –, encerrando uma sequência de altas consecutivas durante a semana. O impasse na agenda fiscal no país e a possibilidade de uma vitória de Donald Trump na corrida à Casa Branca formaram o cenário propício para aumentar o nervosismo dos investidores.
Não bastassem a demora do governo em anunciar medidas concretas para o controle das contas públicas e as perspectivas econômicas com a eleição nos Estados Unidos, a pressão inflacionária tem se mostrado uma dificuldade adicional. Na segunda-feira, o boletim Focus divulgado pelo Banco Central informou a expectativa do mercado em relação ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Pela primeira vez, a mediana das projeções para 2024 superou o teto de 4,5% estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Esse cenário aumenta a expectativa em relação à reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para terça e quarta-feira. É cada vez mais sólido o consenso, entre analistas, de que o colegiado decidirá por aumentar a taxa básica de juros em 0,5 ponto percentual. Assim, a Selic iria para 11,25% ao ano, em um esforço da autoridade monetária de direcionar a inflação ao centro da meta, de 3%, até 2026, considerando o horizonte relevante.
Nessa conjuntura complexa, o governo Lula se vê em uma encruzilhada. Precisa, a um só tempo, anunciar medidas econômicas que reforcem o compromisso com o controle de gastos, sem prejudicar as diretrizes da administração petista. Trata-se de uma queda de braço entre a equipe econômica chefiada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e diversos setores da Esplanada, além do próprio Palácio do Planalto, refratários ao inevitável corte de gastos que precisa ocorrer.
Nos últimos dias, pelo menos dois integrantes do alto escalão lulista explicitaram o desconforto com as medidas em estudo na Fazenda. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, considerou uma “agressão” cogitar restrições ao abono salarial e ao seguro-desemprego sem a sua participação, mencionando até a própria demissão. Da mesma forma, o titular do MEC, Camilo Santana, opôs-se claramente à flexibilização do piso constitucional para a educação. Há, ainda, as convicções do próprio presidente da República, como, por exemplo, a política de valorização do salário mínimo.
Como se vê, são muitas as variáveis a afetar o delicado momento econômico. O governo precisa agir com rapidez e transparência, pois o cenário é de muita desconfiança. Considere-se, ainda, um fator político complicador. A menos de dois anos para a eleição de 2026, o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional tenderão a manter ou até a aumentar as pressões sobre o Orçamento. Não há calmaria no horizonte.