Brisa Nogueira
Advogada especialista em direito à saúde e sócia do escritório Brossa & Nogueira Advogadas
O Supremo Tribunal Federal (STF), com relatoria do ministro Gilmar Mendes, julgou o recurso extraordinário em repercussão geral tema nº 1.234. O processo trata da legitimidade passiva da União e da competência da Justiça Federal em demandas sobre o fornecimento de medicamentos registrados na Anvisa, mas não padronizados no SUS. Da análise do acórdão destaca-se a participação limitada de grupos representativos das pessoas afetadas, em contraste com a forte presença de órgãos governamentais e entidades públicas.
O tema é polêmico e as reações são diversas. Enquanto a atual ministra da Saúde celebrou a decisão, parte da comunidade jurídica a recebeu negativamente. Os novos parâmetros definidos pelo STF trazem à tona o debate sobre o equilíbrio entre os direitos fundamentais à saúde e as restrições orçamentárias enfrentadas pelo poder público.
Segundo a Constituição Federal, a saúde é um direito social e um dever do Estado, com políticas públicas voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde (art. 6º e art. 196). Também é um objetivo fundamental promover o bem de todos, sem discriminações (art. 3º, IV). Nesse contexto, a Lei nº 8.080, que regulamenta o SUS, reforça o dever estatal de prover as condições indispensáveis ao exercício pleno do direito à saúde. A universalidade de acesso e a integralidade das ações e serviços são princípios fundamentais do SUS, exigindo que o Estado assegure assistência contínua e articulada em todos os níveis de complexidade.
A preocupação é que a decisão possa criar mais barreiras burocráticas, dificultando ainda mais o acesso de pessoas vulneráveis a medicamentos essenciais, contrariando princípios constitucionais e legais.
Além disso, o STF enfatizou que não há uma hierarquia abstrata de princípios constitucionais capaz de orientar todas as disputas entre direitos fundamentais, especialmente em períodos de desgovernança na área da saúde. O papel do Judiciário deveria ser o de aplicar os princípios constitucionais de forma concreta, garantindo que o direito à saúde não seja secundarizado em função de considerações orçamentárias.
A decisão do STF exige um olhar cuidadoso quanto à sua aplicação prática, especialmente em relação ao acesso universal e integral à saúde. Outro ponto que se destaca há algum tempo são as questões relacionadas ao ativismo judicial do STF e à constante ultrapassagem dos limites de suas atribuições. Ao criar comissões e estabelecer etapas que se assemelham a um processo administrativo, o Tribunal adentra um campo reservado ao Poder Legislativo, o que suscita dúvidas sobre a validade dessas ações perante o texto constitucional e a tripartição de poderes.
A ausência de representações relevantes, como organizações que defendem os interesses dos pacientes, revela um desequilíbrio entre a decisão e a realidade brasileira. Ao favorecer governos estaduais e municipais em detrimento dos indivíduos, o STF parece priorizar questões administrativas e orçamentárias sobre os direitos fundamentais à saúde e dignidade humana.
Essa situação levanta um alerta sobre o papel do tribunal em garantir direitos sociais e se o enfoque adotado realmente atende aos interesses da população. A preservação dos direitos dos pacientes deve ser prioridade, com o Judiciário assegurando o cumprimento dos direitos fundamentais, mesmo diante de desafios orçamentários.