Lorena Nogaroli

Jornalista, especialista em gestão de reputação, sócia-fundadora da Central Press e dirige o escritório da empresa no Reino Unido

O domingo que se seguiu ao feriado de Todos os Santos foi assinalado pelo primeiro dia do Enem 2024, que reuniu mais de 4 milhões de estudantes em todo o Brasil para a realização das provas de linguagens e ciências humanas, assim como da redação. O Enem – Exame Nacional do Ensino Médio – avalia o desempenho escolar dos alunos no final da educação básica. Ao longo de mais de duas décadas, o Enem solidificou-se como a principal porta de entrada para o ensino superior no Brasil. Além disso, os resultados individuais deste exame podem ser utilizados em processos seletivos de instituições portuguesas que mantêm convênio com o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), facilitando o acesso de estudantes brasileiros que pretendem prosseguir os seus estudos no ensino superior em Portugal.


Contudo, a prova do Enem detém um significado muito além da mera avaliação acadêmica. Essa tem sido utilizada como uma ferramenta de conscientização e transformação social através de questões que apresentam textos que provocam uma visão crítica dos estudantes sobre os principais problemas nacionais, incluindo a violência, desigualdades, preconceito, ética, cultura, saúde, meio ambiente e tecnologia.


Neste ano, o problema em destaque foi o racismo. O tema da redação – que possui o maior peso na nota final do exame, correspondendo a 20% do total – foi “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”. Para além disso, pelo menos mais oito questões do exame abordaram temas que suscitam a questão da desigualdade, do preconceito e das raízes africanas do Brasil.


Este tema foi considerado urgente e necessário por educadores. No ano transato, uma pesquisa inédita intitulada “Percepções sobre o racismo no Brasil”, realizada pela Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), revelou que 8 em cada 10 brasileiros concordam que o Brasil é um país racista. Outros dados da pesquisa indicam que 80% dos entrevistados entendem que pessoas negras e brancas são tratadas de forma diferente pelas forças de segurança; mais de 50% afirmam ter assistido a situações de racismo e quase 90% concordam que as pessoas negras são as mais criminalizadas.


No que diz respeito à educação, 69% das pessoas inquiridas consideram que o racismo é o tema mais importante a ser estudado nas escolas. A pesquisa destacou que, entre aqueles que afirmaram ter aprendido sobre a história e cultura africana, a história e cultura afro-brasileira, a história e cultura indígena e o racismo no ambiente escolar, questionou-se a abordagem destes temas. Mais da metade dos entrevistados, independentemente do nível educacional, opina que a forma como esses assuntos foram tratados nas escolas é considerada pouco ou nada adequada.


O tema ressalta uma legislação existente há mais de 10 anos no Brasil, mas cujos preceitos não têm sido integralmente cumpridos: a lei nº 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas públicas e privadas de ensino médio e fundamental. Após uma década, finalmente o Ministério da Educação conseguiu chamar a atenção dos próprios estudantes para a necessidade de uma aplicação efetiva da lei e à supervisão por parte da comunidade acadêmica.


Depois de inumeráveis esforços, o Brasil, por fim, deu um passo significativo na luta pela igualdade e, essencialmente, pelo respeito às suas raízes africanas, permitindo que mais de 4 milhões de jovens analisassem criticamente os 300 anos de escravatura, compreendendo as forças opressoras que afetaram os afrodescendentes e evidenciando as vozes africanas como fundadoras da nação brasileira.

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