Duas crises estiveram na pauta das mais importantes mesas de negociação internacional dos últimos dias: a dos extremos climáticos e a da escassez de comida. Ambas urgentes e, pelo desenrolar dos encontros, cada vez mais desafiantes. Impasses, frustrações, sensação de falsas promessas e até acusações de humilhação fizeram parte do roteiro da Cúpula do G20 no Rio de Janeiro ou do script da 29ª edição da Conferência do Clima, a COP29, no Azerbaijão. São sinais claros de que também é indispensável a adoção o quanto antes de medidas que, de fato, favoreçam uma cooperação estreita entre os países para o enfrentamento desses desafios globais.

Há de se considerar que a Cúpula do G20 deste ano avança com a criação da “Aliança Global contra a Fome e a Pobreza”, proposta pelo Brasil, que presidiu o grupo até semana passada. A inédita concentração de esforços para erradicar a fome no mundo até 2030 tem largada forte, com 148 membros fundadores, sendo mais de 80 países e bancos internacionais. Existe, porém, o desafio de manter os principais atores engajados a longo prazo, já que pobreza e fome não afetam de forma significativa boa parte dos países que integram o bloco das maiores economias do mundo.

As Nações Unidas estimam que, em 2023, cerca de 733 milhões de pessoas passaram fome no planeta – o equivalente a uma em cada 11. Boa parte delas está na África: 58% da população enfrenta insegurança alimentar moderada ou grave no continente mais pobre do mundo. Nesse cenário, fica impossível cumprir a meta firmada à beira do mar carioca sem o fortalecimento do multilateralismo – ainda que este também esteja em crise.

No caso da COP29, a questão é mais curiosa, considerando que PIB alto não afugenta os extremos climáticos. A conferência realizada no ano que deve ser o mais quente da história é também uma das mais tensas e controversas desde o primeiro encontro, em 1995, na Alemanha. Ao EM, Claudio Angelo, chefe de Política Internacional do Observatório do Clima, disse que o rascunho apresentado sobre o novo fundo para financiar medidas de mitigação e adaptação climáticas é uma piada. O negociador do Panamá, Juan Carlos Monterrey, foi além. Segundo ele, “o valor oferecido pelos países desenvolvidos é uma cusparada na cara de nações vulneráveis”.

Não à toa, representantes desses países deixaram, ontem, as salas de negociações da COP alegando estarem sendo insultados e ignorados. Há discordâncias, herdadas de conferências passadas, sobre o valor a ser pago e quem deverá pagar a conta – os países mais ricos, principais emissores de gases de efeito estufa, se recusam a serem os únicos. Mas é certo que a postura tende a prejudicar justamente as nações que mais precisam de ajuda para combater, além das catástrofes naturais, as limitações socioeconômicas.

Desigualdade social, meio ambiente e protecionismo são questões que tendem a aumentar as tensões internacionais. Entram nesse caldeirão a inabilidade das organizações multilaterais, como a ONU, de lidar com as crises da atualidade e a pressão por novas cooperações internacionais que sigam um princípio de equidade tributária. Todos esses impasses na governança global têm ainda como efeito o enfraquecimento da diplomacia e o avanço do radicalismo. Mais uma ameaça que não poupa ricos nem pobres.

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