A Universidade de Oxford, no Reino Unido, definiu o termo "brain rot", ou "cérebro podre", como a palavra (ou expressão) do ano de 2024. O verbete trata da "suposta deterioração do estado mental e intelectual de uma pessoa, especialmente pelo consumo exacerbado de conteúdo superficial no contexto da internet".
Segundo a Oxford, houve um aumento de 230% na busca pelo termo entre 2023 e este ano. Trata-se de uma clara manifestação de preocupação da sociedade mundial com a (falta de) desenvolvimento intelectual das pessoas, diante da onda de memes, vídeos superficiais e conteúdos opinativos que nada acrescentam, a qual estamos vulneráveis a cada deslize de tela com os dedos.
Um público especialmente é o mais desprotegido ao fenômeno do "cérebro podre": crianças e adolescentes. Em uma rotina cada vez mais apertada, diante das pressões exercidas pelo trabalho e por outras obrigações, pais e mães recorrem a smartphones e tablets para ter um "tempo de sossego" com os filhos em casa.
O resultado é o que já conhecemos: crianças, adolescentes e jovens, em geral, cada vez mais dependentes de conteúdos virais compartilhados, sobretudo, nas redes sociais. Essa pressão pela compra de aparelhos tecnológicos do tipo e pelo acesso às redes aumenta na proporção que todos os colegas de escola, por exemplo, já fazem tal uso. Pais ficam praticamente reféns nesse cenário.
O relatório do Pisa 2022, divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostra que estudantes com acesso a dispositivos digitais em casa têm resultados piores de aprendizado. Em média, alunos que não ultrapassam uma hora de uso da internet em casa têm desempenho 49 pontos acima em provas de matemática, em relação aos que extrapolam essa marca. Ao mesmo tempo, 80% dos estudantes brasileiros admitem que são distraídos pelos smartphones durante as aulas.
Os dados e a experiência empírica são incontestáveis. Mas qual a solução para que a nova geração seja mais independente do mundo digital? Em primeiro lugar, é preciso que os pais entendam que esse papel cabe mais a eles do que às escolas. Contribui para o desenvolvimento das crianças e adolescentes a negação do acesso em excesso a esses dispositivos. Dizer não. Ressaltar os limites. Destacar a importância do pensamento crítico e da convivência em sociedade, que só podem ser alcançados em plenitude quando praticados para além das telas.
Atualmente, a Câmara dos Deputados analisa o Projeto de Lei 104/2015, do deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS), que proíbe o uso de dispositivos eletrônicos em sala de aula. O ministro da Educação, Camilo Santana, já admitiu a aderência do governo federal à pauta. "Eu iria além, porque (os celulares) acabam com a socialização entre os alunos. Quando eu estava na escola, jogava bola e ia para a biblioteca. Precisamos dar limites", disse em outubro.
A proibição, no entanto, merece uma discussão mais aprofundada. Afinal, é inegável as vantagens trazidas pela internet ao aprendizado de estudantes do mundo inteiro. É preciso separar o joio do trigo. As ferramentas de busca, até mesmo a inteligência artificial, oferecem alternativas interessantes para o desenvolvimento intelectual. Esses mecanismos nada têm a ver com as limitações trazidas pelas redes sociais.
A simples vedação do uso dos dispositivos não vai corrigir problemas que acontecem nas casas de muitas famílias pelo acesso às redes sociais. É preciso conscientização digital. Conversar com pais e mães criados no mundo analógico. Eles, muitas vezes, sequer entendem os impactos sofridos pelos filhos nesse contexto.
Esses efeitos trazem muito mais do que dificuldade para o desenvolvimento intelectual. Resultam em pessoas mais egoístas, narcisistas e, ao mesmo tempo, inseguras. Ao viver apenas no mundo digital, onde muitas vezes procuramos o conforto das bolhas para evitar divergências, não aprendemos a conviver com as diferenças do outro.
Deixamos de sofrer, desde a primeira infância, os agouros da vida, as discussões pela posse de um brinquedo e o bate-boca sobre a saída ou não de uma bola durante uma partida de futebol. Quando essa mesma pessoa chega ao mercado de trabalho, encontra dificuldade de adaptação ao não saber responder, profissionalmente, a uma crítica feita pelo chefe. É preciso, acima de tudo, ser criança e adolescente. Errar. Cair. Ser derrotado. Aprender que os obstáculos existem e que precisamos sempre encontrar maneiras de superá-los.