Fernanda Brandão

Coordenadora de Relações Internacionais da Faculdade Mackenzie Rio

 

Nessa sexta-feira, 6 de dezembro, foi anunciada a conclusão das negociações do acordo de livre comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul. As negociações tiveram início em 1999 e foram estendidas por 25 anos em diferentes rodadas de negociações. Em diversos momentos, acreditou-se que o acordo nunca seria concluído dados os interesses divergentes entre os países do Mercosul e da União Europeia. Contudo, nos últimos dois anos as negociações ganharam novo vigor e foram concluídas. A partir de agora o texto será encaminhado para análise jurídica e tradução para as línguas oficiais dos países da UE e do Mercosul e será encaminhado para o processo de ratificação.


O acordo chega em um momento em que há uma tendência ao protecionismo e ao unilateralismo diante das crescentes tensões mundiais. A volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos e seus discursos nacionalista-protecionista coloca em alerta os parceiros comerciais do país que certamente serão negativamente impactados pela adoção de barreiras tarifárias e não tarifárias ao comércio internacional. Assim, a assinatura do acordo cria para os dois blocos a oportunidade de expandir o acesso a outros mercados e reduzir a dependência econômica direta dos EUA. O acordo também chega em meio a previsões pessimistas para o crescimento econômico dos países europeus, o que certamente foi um motivador para que as negociações fossem concluídas.


O acordo avança na liberalização do comércio entre dois importantes blocos comerciais enquanto a tendência global é de protecionismo e imposição de barreiras ao comércio sejam elas técnicas ou tarifárias. O acordo mostra o compromisso e a expectativa da UE e do Mercosul com negociações no âmbito multilateral e na crença de que uma maior integração econômica entre os dois blocos trará mais possibilidades de ganhos que prejuízos e ampliará as bases para a cooperação, não apenas econômica, entre a UE e o Mercosul.


O acordo aumenta o acesso ao mercado do Mercosul para os bens e produtos europeus e em contrapartida favorece o acesso ao mercado europeu para bens e produtos oriundos do Mercosul. Isso pode representar em uma maior cartela de bens e produtos disponíveis para consumo para a população dos países da UE e do Mercosul e preços mais baixos diante da maior competição com bens estrangeiros.


O processo de redução das tarifas de importação será feito de forma progressiva ao longo de 10 anos e deve cobrir em torno de 90% dos bens totais produzidos por cada bloco. Os setores mais competitivos de cada bloco serão os principais beneficiados em um primeiro momento. Alguns setores, como os produtores agrícolas de países europeus e alguns setores industriais e pequenos produtores nos países do Mercosul temem os efeitos da competição ampliada. Na Europa, sobretudo na França, os produtores rurais franceses têm se manifestado de forma enfaticamente contrária ao acordo. Contudo, a eliminação progressiva das tarifas de importação tem como objetivo a adaptação dos setores produtivos de cada bloco ao processo de maior abertura dos mercados.


Um dos principais interesses para os países do Mercosul é a integração das suas indústrias às cadeias produtivas globais, o que traria maior dinamismo e desenvolvimento para o setor industrial desses países. Por não ter acordos de livre comércio com grandes blocos econômicos, os países do Mercosul estiveram à margem do processo da fragmentação da produção internacionalmente, o que formou as cadeias globais de valor. Essas cadeias pressupõem a integração de indústrias de diferentes países no processo produtivo de diversos bens levando a uma divisão internacional dos processos produtivos em algumas indústrias. Além disso, há expectativas para aumentos de investimentos externos diretos vindos da Europa para os países do Mercosul.


O acordo só começa a ser implementado após o processo de ratificação que acontece no âmbito legislativo doméstico de cada bloco. No lado da União Europeia, o acordo irá para apreciação do Conselho Europeu. Se a França angariar apoio de países que representem 35% da população da UE, formando uma coalização de minoria, seria possível vetar a implementação do mesmo. Hoje, apenas se a França conseguir o apoio da Itália seria possível bloquear o acordo nessas condições, os demais países que poderiam ir junto com a França como a Polônia e a Holanda, não são formar a coalizão mínima. Já no âmbito do Parlamento Europeu a expectativa é que o acordo seja aprovado.


Já no âmbito do Mercosul o texto precisará ser ratificado por cada um dos parlamentos nacionais dos países membros e se for rejeitado por algum então o acordo não seria ratificado e não seria implementado, mas não há expectativa de que isso aconteça no âmbito dos países do Mercosul.