Na reta final do seu mandato como presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL) estendeu o tapete vermelho para a chamada bancada da bala e colocou em pauta diversos projetos conservadores ligados à segurança pública. Entre quarta e quinta, os parlamentares aprovaram em plenário propostas que flexibilizam o acesso às armas no Brasil e permitem a castração química de pessoas condenadas por pedofilia em trânsito em julgado – sem possibilidade de recurso.


Os acenos de Lira aos parlamentares conservadores acontecem em um contexto de pressão do Legislativo contra o governo federal. Com o orçamento de 2025 travado há cerca de uma semana para o fim do ano útil, diante dos impasses sobre o pacote de corte de gastos e sobre a reforma tributária, o presidente da Câmara fecha os olhos para a ordem do dia e coage o Palácio do Planalto para obter a liberação de R$ 10 bilhões em emendas.


Não parou por aí. Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a principal da Câmara, a bancada da bala articulou e conseguiu a aprovação de duas outras propostas com viés conservador – essas ainda precisam passar pelo plenário. O primeiro texto permite que produtores rurais acionem a polícia para retirar invasores de suas terras. Hoje, uma decisão judicial é necessária. Já o segundo determina a recontagem de votos no sistema eleitoral brasileiro, a partir da adoção do voto impresso.


Chama a atenção o fato de os dois textos passarem na CCJ, quando, na análise de juristas, são claramente inconstitucionais. Portanto, a principal comissão da Câmara ignora o aspecto técnico dos textos que chegam em sua mesa e age, na realidade, como ferramenta política de quem hoje a ocupa. A total inversão de valores.


Na prática, porém, as matérias dificilmente chegarão ao papel timbrado. Funcionam, de fato, para a chamada “lacração”. É munição para gerar conteúdo em rede social e engajar os seguidores, sobretudo a parcela mais conservadora da população brasileira. Em termos de política pública, até por suas inconstitucionalidades, as propostas pouco têm efeito sobre o cotidiano do cidadão, ao contrário da atrasadíssima pauta econômica barganhada a cada minuto da reta final do ano legislativo.


Já aprovadas em plenário, a proposta que flexibiliza o acesso às armas e o projeto que permite a castração química de pedófilos condenados sem direito a recurso ganham outro caráter em termos de relevância. Por já estarem nas mãos do Senado Federal, esses textos têm chance de chegar à mesa do presidente Lula (PT). A sanção ou não, porém, é incerta.


No caso das armas, a ideia dos deputados federais é permitir o registro de itens hoje considerados ilegais, seja por registro vencido ou nunca emitido. Trata-se de mais uma suavização do Estatuto do Desarmamento, em vigor desde 2003 e que passou por retrocessos nos últimos anos. O proprietário desses objetos, pelo projeto aprovado e agora nas mãos dos senadores, terá um ano para regularizar a situação.


Vale observar que a bancada da federação PT-PCdoB-PV liberou os deputados para votar como bem quisessem sobre o PL que flexibiliza o acesso às armas. O governo, por sua vez, deu parecer favorável à proposta. Pouco adianta o Planalto se postar como desarmamentista quando, na prática, não se coloca no caminho de textos tão criticados por especialistas em segurança pública.


Quanto à castração química de estupradores, o texto prevê que o procedimento se dará a partir do consumo de comprimidos que inibem a libido. Se a proposta tem validade ou não cabe à análise de especialistas, mas é certo que não há o mesmo empenho dos congressistas brasileiros para combater a violência sexual contra crianças e mulheres quando a política pública tem caráter menos espetacular, com menos potencial para gerar conteúdos para a rede social.


No fim das contas, também há o lado da cortina de fumaça. Inevitavelmente, ao articular por mais poder no orçamento público por meio das emendas, o Congresso tem um desgaste da sua imagem perante a opinião pública. Votar textos da chamada “pauta de costumes” gera conteúdo para os perfis do Instagram, ao mesmo tempo que retira o toma lá, dá cá dos holofotes. Afinal, qual deveria ser a prioridade em prol do interesse público?