Guilherme Frizzera 
Mestre em Ciências em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (Prolam/USP). Doutorado em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (Irel/UnB). Professor e coordenador do curso de Relações Internacionais na Uninter
A política econômica de Javier Milei, fundamentada no ultraliberalismo e apresentada sob o rótulo de austeridade, tornou-se o novo experimento de um modelo que, há décadas, flerta com a eficiência econômica em detrimento do custo social. Embora tenha abandonado a retórica da dolarização, Milei mantém a ênfase em cortes drásticos de gastos públicos e em reformas econômicas amplamente elogiadas por mercados e instituições financeiras internacionais. No entanto, as contradições de sua estratégia começam a se impor, com manchetes de jornais financeiros ressaltando que, “surpreendentemente”, a economia argentina continua encolhendo, mesmo após a implementação dessas medidas. 
Enquanto a pobreza atinge 53% da população e o poder de compra dos salários caiu 10%, a narrativa celebra o ajuste fiscal como sinal de responsabilidade. Para a economista italiana Clara Mattei, autora de “A Ordem do Capital”, austeridade não é apenas técnica, mas ideológica, remodelando sociedades, reforçando hierarquias e legitimando sacrifícios sociais em nome de um suposto progresso. Em vez de corrigir desequilíbrios, a austeridade os aprofunda, precarizando serviços essenciais e agravando a pobreza, ao mesmo tempo que investidores celebram ganhos de curto prazo. 
No Brasil, o pacote de cortes de gastos do governo Lula, apresentado pelo ministro Fernando Haddad, enfrenta um dilema semelhante. Embora se diferencie do radicalismo de Milei, as medidas também são avaliadas principalmente pelo impacto em índices fiscais e pela receptividade do mercado. Aqui, novamente, emerge a crítica de Mattei: políticas de austeridade, mesmo em versões mitigadas, continuam priorizando objetivos econômicos abstratos sobre as necessidades concretas da população. A recorrente desconexão entre os impactos sociais e os louros concedidos pelos mercados expõe uma lógica perversa que transforma o sacrifício social em uma nota de rodapé. 
O uso da palavra “surpreende” nas análises financeiras sobre o encolhimento argentino revela a miopia dessa abordagem. Não há surpresa quando economias encolhem sob austeridade; há previsibilidade cruel, apontada por críticos que alertam para o aprofundamento das desigualdades. O verdadeiro “surpreendente” está em ignorar que custos humanos são consequências inevitáveis, não externalidades. Ao sacrificar direitos sociais e bem-estar em nome de ajustes fiscais, a austeridade reafirma-se como o “caminho da servidão”, parafraseando Hayek. Contudo, esse novo caminho não é imposto por estados controladores, mas por mercados que deliberadamente ignoram os custos humanos em sua busca incessante por eficiência econômica. Assim, perpetua-se um ciclo onde austeridade não resgata economias, mas aprisiona sociedades em um labirinto de desigualdades.