O acidente mais letal nas rodovias federais brasileiras nos últimos 18 anos, ocorrido na madrugada de sábado, se deu na BR-116. Pode parecer algo esperado, em uma análise rápida e até matemática do sinistro: temporada de férias, excesso de veículos trafegando nos trechos mais perigosos do país e, consequentemente, um risco aumentado de incidentes. Mas a morte de, ao menos, 41 pessoas na altura do quilômetro 286, em Teófilo Otoni, Minas Gerais, parece não se tratar de fatalidade. As primeiras evidências indicam que uma combinação de fatores evitáveis – e que se repetem pelas estradas brasileiras – mergulhou dezenas de famílias em um fim de ano de dor e luto.
Segundo a Polícia Civil mineira, o motorista da carreta – o acidente envolveu também um ônibus de viagem e um carro de passeio – não tinha autorização para dirigir desde 2022, quando se recusou a fazer um teste de bafômetro em uma blitz. Mesmo assim, o homem, que não teve o nome divulgado, teria carregado o caminhão no Ceará com granito e seguido para o Espírito Santo. Ainda que tenha sido a primeira vez que o caminhoneiro voltou ao volante em pelo menos 24 meses de CNH cassada, ele apostou que não precisaria apresentar a licença nos quase 2 mil quilômetros que planejava percorrer. Não é o único. Há um senso coletivo de que falta fiscalização nas estradas brasileiras, sobretudo durante a noite.
A Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FenaPRF) relata um déficit de cerca de 600 servidores. Recentemente, porém, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, disse que o número de policiais rodoviários federais lhe “parece bastante razoável para atender às demandas”. Entrou na conta do ministro a “nova PRF”, um projeto do governo que pretende fazer com que os homens da corporação passem a atuar ostensivamente nas ferrovias e hidrovias federais.
São as fiscalizações regulares e eficientes nas rodovias que também inibem a presença de veículos sem condições para o tráfego – outra hipótese levantada nas investigações em Minas Gerais. A polícia apura se uma peça de granito teria se soltado da carreta, com excesso de peso, e atingido o ônibus. Já alguns sobreviventes relatam que o pneu do veículo com 45 passageiros teria estourado pouco antes do choque com o caminhão.
Especialista em direito de trânsito Marcelo Araújo elencou os três fatores que aumentam a probabilidade de ocorrência de acidentes de trânsito graves: condutor mal preparado, veículo mal conservado e vias ruins. Todos parecem estar presentes na grande tragédia da BR-116. Segundo levantamento da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), 39% dos 4,62 mil quilômetros da rodovia que liga o Nordeste ao extremo sul brasileiro estão em condição regular (27,9%), ruim (8,5%) ou péssima (2,7%). Considerando todo o país, os índices sobem para 40,4%, 20,8% e 5,8%, respectivamente.
A análise também evidencia a forte discrepância entre o estado das rodovias conforme a gestão. As condições ruim e péssima são de 25,9% e 7,7% nos trechos sob controle público e de 5,7% e 0,4%, nos concedidos à iniciativa privada. Outra leitura também rasa do cenário traçado pela CNT pode levar à aposta na privatização das estradas como principal medida para aumentar a segurança de quem trafegava nelas. Não é razoável, porém, se restringir a essa medida quando se tem cerca de 75% das rodovias federais sob gestão pública e uma média de 155 acidentes por dia com mortos ou feridos. Garantir a segurança e a paz no trânsito tem que ser medida imediata. O trabalho nas estradas precisa ser melhorado agora.