O conceito de monopólio da força ou monopólio legítimo da violência é uma ideia central na concepção de que o Estado democrático se sustenta também no direito legítimo de usar a força física dentro de seu território, desde que seja exercida nos limites das leis e normas aceitas pela sociedade. Esse monopólio é fundamental para manter a ordem social e evitar conflitos entre indivíduos ou grupos que possam recorrer à violência por conta própria. Entretanto, isso não significa que o sistema de segurança pública e seus agentes se coloquem acima dos direitos dos cidadãos – entre os quais a integridade física e a liberdade de expressão.


O emprego da violência pelas forças policiais não é uma forma de livre arbítrio; está delimitado pela Constituição e as leis que a complementam e/ou a regulamentam, como o Código de Processo Penal. Quando esse poder é extrapolado ou desviado de seu propósito legítimo, o agente responsável por isso perde sua legitimidade. O fato de estar credenciado e fardado não lhe garante esse poder, somente agrava o seu abuso de poder.


Na sociedade brasileira, cujo cotidiano é marcado pela violência, com altos índices de criminalidade e desigualdades sociais, a fronteira entre a ação policial dentro dos limites legais e o respeito aos direitos humanos é muito sinuosa e tensa quando o emprego legítimo da força, ou seja, da violência, se faz necessário.


Ao agir dentro dos limites legais e respeitando os direitos humanos, o agente de segurança reforça o monopólio legítimo da força. No entanto, a violência desproporcional ou a discriminação corroem essa legitimidade. Quem precisa temer a polícia são os criminosos, cada vez mais audaciosos, e não o cidadão comum.


Os recentes casos de violência praticados por policiais militares em serviço em São Paulo puseram na ordem do dia essa questão, com foco em duas questões: a utilização de câmeras corporais e o uso progressivo da força pelos agentes da segurança pública. Trata-se do uso de tecnologia para garantir transparência na ação policial e produzir registros sobre as ocorrências.


É impossível não ficar indignado com as cenas que temos visto nos últimos dias, como as imagens que flagraram um jovem sendo jogado por um PM de uma ponte e o registro, pelas câmeras de segurança, de um policial de folga matando com 11 tiros um homem que havia furtado produtos de limpeza em um mercadinho. Um relatório elaborado pela Ouvidoria de Polícia de São Paulo, com a colaboração de organizações da sociedade civil e movimentos de defesa dos direitos humanos, revelou que, de julho de 2023 a abril deste ano, as operações Escudo e Verão deixaram 84 mortos. Foram as ações mais letais do Estado desde o massacre de 111 presos do Carandiru, há 32 anos.


Culturalmente, a polícia brasileira gosta de bater, sobretudo em pretos e pardos. Essa é uma herança colonial, da escravidão. Não precisa ninguém mandar. Por isso mesmo, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ao estimular esse comportamento, perdeu o controle da situação. Se a maior autoridade manda os policiais não terem dó nem piedade, quem conterá os abusos? Somente a reação da sociedade e a Justiça. 

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