O 10 de dezembro, data de comemoração dos 76 anos da Declaração Universal do Direitos Humanos, ou Dia Internacional dos Direitos Humanos, ganhou mais um significado no Brasil. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) anunciou a regulamentação do “dever de reconhecer e retificar o assento de óbito de todos os 434 mortos e desaparecidos pela ditadura militar, reconhecidos pela Comissão Nacional da Verdade (CNV)”, como propôs o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDJC).


Familiares de mortos e desaparecidos, vítimas de 21 anos de truculência e obscurantismo (1964-1985) poderão, agora, exigir que, no espaço destinado à causa mortis na Certidão de Óbito, conste a informação “morte não natural, violenta, causada pelo Estado a desaparecido no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política no regime ditatorial instaurado em 1064”. Para o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), a decisão “é um acerto de contas legítimo com o passado”.


Há consenso de que as cicatrizes decorrentes do golpe de 1964 são indeléveis. Para o corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, a medida é um importante resgate da verdade sobre o que se passou neste país. No entendimento da ministra dos Direitos Humanos e Cidadania, Macaé Evaristo, a decisão do CNJ reaviva a importância da Comissão da Verdade, criada há 13 anos com a chancela unânime do CNJ, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, para investigar as violações de direitos humanos ocorridas no período ditatorial.


Os sofrimentos vivenciados pelas famílias que perderam filhos, filhas, maridos, pais para a infame brutalidade de um regime torpe, voltado a suprimir liberdades, ações, escolhas individuais e a sufocar a pluralidade étnico-racial, são tristes lembranças ainda vivas na memória coletiva. O pensar diferente do regime imposto à nação era crime, punido com tortura e morte.


Essa realidade do passado, por alguns esquecida e por outros não vivida no século 20, ressurgiu para um bom debate por meio do filme “Ainda estou aqui”, dirigido pelo cineasta Walter Salles, que conta a saga da família do então engenheiro e ex-deputado federal Rubens Paiva, após a sua prisão e morte por agentes da ditadura entre 1970 e 1971. A viúva Eunice Paiva tornou-se mãe solo de cinco filhos, mas não desistiu da luta. Ela conseguiu a certidão de óbito do marido 25 anos depois de ele ser declarado morto, apesar de seu corpo nunca ter sido encontrado.


O filme tem atraído o interesse de milhares pessoas no Brasil e figura entre os indicados ao Oscar, o maior prêmio do cinema mundial. A presença de jovens, lotando as salas de cinemas para assistir à obra, tem chamado a atenção. Provavelmente, eles poderão entender a forte reação de uma larga faixa da sociedade e das instituições de Estado contra a recente e frustrada tentativa de rompimento com o Estado Democrático de Direito. Se a tentativa de golpe fosse vitoriosa, voltaríamos ao século passado, com perdas de conquistas sociais, econômicas.


Em vez de mais direitos, haveria um retrocesso ao regime de opressão, tortura e morte, que não pode ficar no limbo da história. O Brasil do século 21 não merece nem pode voltar ao passado. É fundamental que cresça, elimine as desigualdades socioeconômicas, evolua e faça a diferença no concerto das nações, por meio de elevados valores civilizatórios, entre os quais prevaleçam a paz e a justiça.

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