Considerada um dos marcos da redemocratização do Brasil, a eleição indireta de Tancredo Neves para a Presidência da República completa 40 anos em um momento em que o apelo feito por ele pela manutenção da vigilância democrática faz todo o sentido. “Não vamos nos dispersar. Continuemos reunidos, como nas praças públicas, com a mesma emoção, a mesma dignidade e a mesma decisão”, convocou o político mineiro, em 15 de janeiro de 1985, após receber 480 votos do Colégio Eleitoral, contra os 18 concedidos a Paulo Maluf.


Nada tão atual. A revelação, por parte da Polícia Federal (PF), de uma meticulosa trama golpista costurada durante o governo Jair Bolsonaro para mantê-lo no poder, é a prova de que não se pode esmorecer na defesa da democracia. E mais: o combate efetivo ao autoritarismo passa obrigatoriamente pelos campos digitais.


A investigação da PF mostra que, desde o primeiro ano do governo, existia um núcleo dedicado a produzir, divulgar e amplificar notícias que construíssem um ambiente que favorecesse a ruptura democrática. E as redes sociais foram o principal canal de escoamento dessa estratégia.


Os ataques sistemáticos ao sistema eleitoral ajudaram, por exemplo, a manter centenas de pessoas acampadas em frente aos quartéis quando Bolsonaro perdeu para Lula no segundo turno de 2022. Do QG do Exército em Brasília saíram muitos dos que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, uma semana depois da posse do petista.


Meses antes, Bolsonaro deu a seguinte declaração ao criticar a forma como o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), conduzia o inquérito das fake news: “Se eu contar uma mentira para você agora, você acredita se quiser. Ou, se você não gostar, você nunca mais fala comigo, você nunca mais entra na minha página”. Além de destoar do que se espera de um chefe do Executivo, a declaração joga para o cidadão a responsabilidade de se pautar pela verdade. Também exime quem mantém as praças públicas da atualidade, as redes sociais, da responsabilidade de barrar informações que levem aos extremismos.


Nesse sentido, assusta o mundo e demanda reações enérgicas dos governos democráticos as recentes movimentações das big techs que, sob o pretexto de garantir a liberdade de expressão, podem favorecer a disseminação de discursos de ódio, teorias conspiratórias e outras expressões do radicalismo. O governo brasileiro acerta ao, diante do anúncio do fim do programa de checagem feito pela Meta, exigir que “cada país tenha a sua soberania resguardada”. Mas Lula deve enfrentar dificuldades em ao menos uma das frentes traçadas para conter os expoentes da tecnologia: sensibilizar um Legislativo com integrantes adeptos da polarização nas redes sobre a importância de aperfeiçoar a legislação para barrar as ameaças modernas à democracia.


Em artigo publicado, na última sexta-feira, no Correio Braziliense, José Sarney — que assumiu a Presidência em razão da morte de Tancredo Neves —, escreveu que a democracia “é o melhor regime, porque é capaz de defender-se e vencer os que contra ela investem cometendo crimes”. Tem como definição máxima, segundo ele, ser o regime da liberdade, que é a garantia da dignidade humana. Não se trata, portanto, de uma liberdade que privilegie interesses de oligopólios empresariais ou de determinadas correntes políticas. É liberdade pautada para o bem coletivo. E, por isso, merece ser defendida e vigiada a todo tempo.