editorial

Abandono de idosos desafia o país

O Brasil não pode fechar os olhos para o próprio envelhecimento e perder a oportunidade de usufruir da expectativa de vida conquistada

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Há uma dificuldade estrutural no Brasil em assumir a sua envelhescência. O termo, criado pelo sociólogo Manoel Berlinck, refere-se ao período de transição entre a vida adulta e a velhice. Individualmente, é considerado um momento-chave para garantir autonomia e saúde nos anos que se seguem. Em termos macro, revela-se um período ainda mais desafiador, sobretudo porque demanda a concordância de medidas coletivas, incluindo as de Estado, para que seja, de fato, estratégico. Uma delas é não deixar quem vai chegando à terceira idade para trás.


No Distrito Federal, as denúncias de abandono de idosos cresceram 68% em dois anos – de 7.693 em 2022 para 12.932 em 2024. Dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania indicam o mesmo fenômeno: um aumento de 855% das denúncias no Disque 100 considerando os cinco primeiros meses de 2022 e os de 2023. Há de se ressaltar que se trata de um crime, com previsão de detenção para quem o comete. Mas também é reflexo de configurações sociais que levam à ausência de familiares.


Liliane Alves Fernandes, doutora em política social, lembra os dilemas da chamada geração sanduíche: adultos – portanto, na envelhescência – com a responsabilidade de cuidar de filhos, pais, sogros, carreira e outros anseios pessoais. “No meio dessa situação desafiadora, muitas vezes, há somente um provedor na família (...) e os cuidados com idosos acabam ficando negligenciados", ilustra a professora universitária.


É pertinente concluir que essa sobreposição de fatores exige um enfrentamento que vai além de escolhas familiares. Faltam contrapartidas dos governos e das empresas que deem respostas efetivas ao problema. Cuidar de quem cuida, lema que ganha força nos mais diversos setores, só sai da retórica se há a oferta de condições que propiciem a escolha sadia pelo cuidado.


Nesse sentido, a saúde mental de idosos e familiares demanda ainda mais esforços. Tanto pelo descaso cultural com o bem-estar psicológico, quanto pelo forte arcabouço científico relacionando a saúde mental com o Alzheimer. Pesquisas mostram que a solidão na velhice aumenta o risco de surgimento da doença – em 38% maior, segundo estudo recente da Universidade Estadual da Flórida. O estresse crônico também – em 24%, estimam cientistas da Universidade de Helsinque, na Finlândia.


Mais incidente entre idosos, o Alzheimer tem impactos financeiros consideráveis. O total de gastos com a doença no país foi de R$ 96,7 bilhões em 2022. Em 15 anos, deve chegar a R$ 163,7 bilhões, segundo o Relatório Nacional sobre as Demências (ReNaDe). No mesmo ritmo, espera-se que a incidência da doença neurodegenerativa dobre até 2050: dos 2,71 milhões de casos atuais para 5,6 milhões.


Sobram evidências de que desconsiderar a atual dinâmica etária é, no mínimo, um contrassenso. O Brasil não pode fechar os olhos para o próprio envelhecimento e perder a oportunidade de usufruir da expectativa de vida conquistada. É preciso abandonar a aversão à velhice e começar a agir. Longevidade e prosperidade se constroem no agora.

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