A tensão entre a racionalização do Poder Judiciário e o acesso à Justiça
É essencial garantir que o Poder Judiciário permaneça acessível e efetivo para todos, preservando a confiança no sistema e a legitimidade do Estado Democrático
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Procurador de Justiça, procurador-geral de Justiça do Estado de Minas Gerais (2004/08 e 2020/24), conselheiro nacional do CNMP (2011/15) e presidente da Abrampa (2003/11)
Emmanuel Levenhagen Pelegrini
Promotor de Justiça do MPMG, assessor especial do procurador-geral de Justiça (2020/24), promotor de Justiça auxiliar no Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP (2015/19)
Igor Peixoto Marques
Promotor de Justiça do MPMG, assessor especial do procurador-geral de Justiça
Bruno Gazzola Bezerra Falcão
Advogado, ex-assessor da Procuradoria-Geral de Justiça Adjunta Jurídica do Estado de Minas Gerais (2020/24)
O Poder Judiciário brasileiro enfrenta um impasse crucial: como garantir a eficiência da função jurisdicional sem comprometer o direito fundamental de acesso à Justiça? Com 84 milhões de processos em andamento nos tribunais e cerca de 35 milhões de novos casos em 2023 – um crescimento de 9,5% em relação ao ano anterior –, o sistema se encontra sobrecarregado e exposto a uma judicialização crescente.
Em resposta a esse cenário desafiador, os tribunais têm buscado maneiras de equilibrar essa dinâmica, adotando mecanismos para reduzir a litigiosidade, priorizando decisões mais ágeis e eficazes nos casos em que a intervenção judicial é indispensável.
Nesse contexto, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) adotou uma medida relevante e inédita. Em decisão vinculante no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (Tema nº 91), estabeleceu-se que, antes de acionar a Justiça, os consumidores devem comprovar a tentativa prévia de solução amigável do conflito por meio de órgãos de defesa do consumidor, como o Procon, ou de plataformas como o Consumidor.gov e o Reclame Aqui.
A referida medida, fundamentada na preocupação real e legítima do tribunal com a sobrecarga do Judiciário – e que despertou o interesse de outros Tribunais –, visa filtrar o volume de ações, mas também impõe novos desafios aos consumidores e advogados.
Por um lado, a exigência incentiva a conciliação, fortalece a autonomia das partes na busca por soluções rápidas e eficazes e favorece o amadurecimento da controvérsia nas vias administrativas. Por outro, o incremento dessa condição, o desgaste emocional e os custos adicionais para a resolução do conflito podem desestimular consumidores a reivindicarem seus direitos. Para os advogados, a mudança também traz desafios, pois a inclusão dessa etapa torna a defesa do consumidor mais complexa e, em alguns casos, menos viável.
Dada a relevância do tema, em dezembro de 2024, a Procuradoria-Geral de Justiça de Minas Gerais (MPMG) recorreu da decisão, levando a questão ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O julgamento pelos tribunais superiores terá impacto nacional, estabelecendo um precedente que orientará os juízes de todo o país sobre a compatibilidade dessa exigência com o direito fundamental de acesso à Justiça. Daí a importância da decisão do TJMG e do recurso interposto pelo MPMG na busca pelo ponto de equilíbrio entre a racionalização do Judiciário e a garantia de acesso à Justiça.
O desafio, portanto, é claro: aprimorar a eficiência do sistema de Justiça sem comprometer sua função primordial de proteção de direitos. Afinal, embora a redução do número de processos em trâmite nos tribunais seja uma meta importante, é igualmente essencial garantir que o Poder Judiciário permaneça acessível e efetivo para todos, preservando a confiança no sistema e a legitimidade do Estado Democrático de Direito.
A posição do sesquicentenário TJMG e a atuação do MPMG, com suas análises cuidadosas e criteriosas, sem dúvida, desempenham um papel relevante para esse processo de amadurecimento da jurisprudência e aperfeiçoamento do sistema de Justiça no país.