editorial

Bullying, uma armadilha real

Não são poucos os influencers e criminosos que, em redes sociais e aplicativos, atacam o feminismo e as universidades, disseminam a pornografias

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"Pai, você não está avançando porque não está entendendo", alerta o adolescente Adam ao policial Luke Bascombe, que tenta encaixar “as últimas peças” do assassinato de Katie Leonard cometido por Jamie Miller, estudantes da mesma escola secundária. A cena da série britânica "Adolescência" – atual fenômeno dos streamings – resume a crise do enfrentamento ao bullying na vida real. Adultos parecem patinar no combate a uma prática cada vez mais comum entre os jovens e que pode ter efeitos devastadores.


O debate sobre o bullying é antigo – da década de 1990, quando a internet dava os primeiros passos, inclusive –, mas a prática violenta virou crime no Brasil apenas em janeiro do ano passado, pela Lei 14.811. Há, portanto, um novo cenário para análise do fenômeno. O aumento do número de casos pode estar ligado à nova conjuntura – no Distrito Federal, por exemplo, o crescimento de denúncias nas escolas foi de 243% em um ano, de 2023 a 2024, mas é certo de que se trata de uma realidade que faz parte da vivência escolar há bastante tempo e tem sido impulsionada pela sensação de impunidade que povoa as redes sociais.


O crime da ficção britânica se dá nas proximidades de uma escola evidentemente caótica, com alunos que se atacam sem pudor na frente de professores sobrecarregados. Mas a peça-chave do esfaqueamento que tirou a vida de Katie está na internet: emojis, aparentemente inofensivos para pais e professores, que codificam uma rede de misoginia e de outros extremismos compartilhados pelos estudantes em seus dispositivos eletrônicos. E essa é uma armadilha real.


Enquanto pais e educadores se ajustam à nova regra de proibição do uso de celular nas escolas – sob o principal argumento de preservar a aprendizagem, o que é, cabe ressaltar, imprescindível –, há uma trama virtual de violência que tem corroído as relações da juventude. Não são poucos os "coaches mirins", influencers e criminosos que, em redes sociais e aplicativos, atacam o feminismo e as universidades, disseminam a pornografia e o nazifascismo, entre outros retrocessos. Trata-se da violência acessada em qualquer lugar e a qualquer tempo por usuários de todas as idades.


Atribuir apenas às escolas a responsabilidade pelo combate ao bullying é, dessa forma, um caso perdido – ou o crime perfeito. Caroline Resende, chefe do Grupo de Apoio à Segurança Escolar (Gase) do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), adverte que as medidas de enfrentamento precisam ser integradas e não intuitivas. Devem incluir a capacitação de todos os profissionais de educação para a implementação de uma cultura de paz nas instituições de ensino, com a participação de pais e responsáveis.


Compreender a complexidade do bullying passa ainda por um exercício de autoanálise. "Como pretendemos ter escolas sem bullying se não temos a mínima condição de nos transformar (esculpir a nós mesmos) e de nos colocar no lugar do outro? Se não podemos mostrar para os nossos filhos o que é ser empático?", provoca o psicólogo Francisco Rengifo Herrera. Em tempos de ódio e intolerância explícitos, ensinar respeito e fraternidade se tornou um desafio. Um quebra-cabeça que, definitivamente, extrapola as atribuições pedagógicas e policiais.

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