Supremo acerta ao rejeitar o "juridiquês"
A escolha do STF por um vocabulário mais próximo da realidade, sem os termos jurídicos pouco inteligíveis à sociedade, vem em boa hora
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Siga noQuem dedicou a terça-feira (25) à transmissão da TV Justiça, que teve suas imagens compartilhadas em diferentes sites, perfis e canais por assinatura, diante da primeira fase do julgamento da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras sete pessoas, pode ter terminado o dia ansioso pelos votos dos ministros, que só devem acontecer hoje em Brasília.
Mais do que inquieto, o cidadão pode ter ficado entediado com as longas argumentações da Procuradoria-Geral da República (PGR) e das defesas dos oito acusados. Na primeira fase da agenda, a PGR, por meio do chefe do Ministério Público, Paulo Gonet, reapresentou com detalhes a denúncia oferecida contra os possíveis réus pela articulação dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Documentos que já foram amplamente divulgados e debatidos na imprensa.
Na sequência, foi a vez dos advogados de cada um dos acusados apresentarem os motivos pelos quais seus clientes não devem ser processados. Até aí, tudo bem. Faz parte do rito judiciário. Cada um tem um tempo pré-determinado para apresentar seu ponto de vista sobre o fato em questão e o uso como bem pretender.
Na parte que coube aos ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), destaque especial para a didática de Alexandre de Moraes. Ao contrário do que se espera de um julgamento como esse, o relator do caso adotou uma linguagem mais próxima do cidadão, usando gráficos, dados sobre as condenações assinadas por ele no âmbito do 8 de janeiro e, até mesmo, expressões mais populares, longe do tão reclamado "juridiquês".
"Há uma narrativa, assim como se a Terra fosse plana, de que o Supremo estaria condenando 'velinhas com a Bíblia na mão', que estariam passeando num domingo ensolarado [...]. Nada mais mentiroso do que isso", disse Moraes ao introduzir sua argumentação em defesa do trabalho feito pela Corte para punir os participantes dos atos de 8 de janeiro. A linguagem direta e simples é uma bola dentro do ministro, sobretudo em um julgamento de ampla repercussão popular.
Postura semelhante adotou o ministro Flávio Dino – esse já conhecido em Brasília por sua habilidade discursiva – ao dizer que a Corte não terá seu trabalho comprometido por "milícias digitais, sejam as nacionais ou estrangeiras, porque o Brasil é um país soberano". O recado tem destinatário claro: o bilionário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), que trava uma longa batalha discursiva e judicial com o STF.
A escolha do STF por um vocabulário mais próximo da realidade, sem os termos jurídicos pouco inteligíveis à sociedade, vem em boa hora, sobretudo em um período de pouca confiabilidade das instituições por parte do cidadão comum, capturado pelas "milícias digitais" citadas por Dino e pelos algoritmos das redes sociais.
Até porque, assim como as instituições, a imprensa profissional, canal fundamental para "traduzir" o "juridiquês" ao longo dos anos, enfrenta crise de confiabilidade parecida. A busca por mais transparência nos julgamentos passa, também, pela comunicação verbal. Independentemente do resultado alcançado hoje em Brasília, o julgamento que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro já representa um avanço para a democracia brasileira. É esperado que o abandono do “juridiquês” se expanda para além de casos de ampla repercussão. Afinal, comunicar é algo ainda mais fundamental em tempos de fake news.