A volta do canudo de plástico é um retrocesso ambiental
A influência política e econômica dos Estados Unidos pode abrir espaço para que outros países também afrouxem suas políticas ambientais
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SAMARA OLIVEIRA
Oceanógrafa, mestra em ciências
Por anos, a luta contra os plásticos de uso único tem sido uma das frentes mais evidentes do combate à poluição ambiental. O canudo de plástico, aparentemente inofensivo, tornou-se um símbolo desse debate – um objeto pequeno, descartado em minutos, mas que permanece por séculos no meio ambiente. A recente decisão de Donald Trump de rejeitar as restrições ao canudo plástico pode parecer apenas uma provocação, mas, na realidade, reflete um movimento muito maior de resistência às pautas ambientais e ao avanço da conscientização sobre os impactos do plástico.
Essa decisão, no entanto, não se trata apenas de um debate sobre conveniência ou escolha pessoal. Ela escancara o interesse em fortalecer a indústria do petróleo e do plástico, setores profundamente entrelaçados na economia global. O plástico, afinal, é um derivado direto do petróleo, e sua produção em larga escala não apenas impulsiona essa indústria como também reforça um modelo econômico insustentável. O que está em jogo não é apenas a praticidade de um canudo, mas a normalização de uma cultura do descarte, em que objetos usados por poucos minutos permanecem como resíduos por centenas de anos.
O impacto ambiental desse retrocesso é gigantesco. O plástico já domina os oceanos, prejudica a vida marinha e contamina a cadeia alimentar. Estima-se que entre 86 milhões e 150 milhões de toneladas do material já estejam acumuladas no ambiente marinho, em diferentes tamanhos e composições. E esse número só cresce. O Brasil, por exemplo, lança anualmente cerca de 1,3 milhão de toneladas de resíduos plásticos no oceano, segundo um estudo da ONG Oceana. Além disso, 3,44 milhões de toneladas de plásticos descartáveis, como sacolas, garrafas PET e embalagens, são potencialmente jogadas no meio ambiente a cada ano, conforme apontado pelo projeto Blue Keepers, do Pacto Global da ONU no Brasil. Esses números mostram que a poluição plástica não é um problema distante: é uma crise que afeta diretamente os ecossistemas e a saúde das pessoas.
Enquanto muitas nações vinham adotando medidas para reduzir o consumo de plásticos descartáveis, essa decisão representa um risco para a continuidade desses avanços. Empresas se ajustaram, consumidores buscaram alternativas, algumas legislações começaram a surgir. Agora, todo esse movimento corre o risco de perder força diante de um discurso que não apenas minimiza a crise ambiental, mas a trata como um exagero ou uma barreira desnecessária ao progresso econômico.
No Brasil, a situação já é delicada. Como não há uma legislação nacional para a proibição de plásticos de uso único, as poucas regulamentações existentes ficam sob responsabilidade dos estados, o que compromete a continuidade e a efetividade das medidas. Se uma potência global decide recuar nesse debate, o impacto vai além de suas fronteiras. A influência política e econômica dos Estados Unidos pode abrir espaço para que outros países também afrouxem suas políticas ambientais, inclusive o Brasil, que já passou por momentos de alinhamento com discursos contrários à preservação ambiental.
Ignorar os impactos do plástico descartável não muda a realidade dos números alarmantes que apontam para uma crise ambiental sem precedentes. O problema não é uma questão de opinião, mas de ciência. O plástico está por toda parte, do fundo dos oceanos às cadeias alimentares. Fechar os olhos para isso apenas permite que o problema se agrave ainda mais.
É fundamental que a sociedade não se deixe levar por discursos que tentam reduzir a importância da crise ambiental. Se abrir mão de canudos e sacolas plásticas parecia ser um pequeno sacrifício para muitos, talvez agora seja o momento de entender que a luta contra o plástico descartável nunca foi apenas sobre esses itens, mas sobre um modelo de consumo insustentável que precisa ser repensado urgentemente.
O avanço em políticas públicas mais restritivas ao uso do plástico descartável, aliadas à educação ambiental e ao investimento em soluções ecológicas, são medidas essenciais para evitar retrocessos. Se há algo que a recente decisão de Trump deixa claro é que o debate sobre o plástico ainda está longe de ser vencido. E enquanto alguns insistem em retroceder, é preciso que a sociedade siga pressionando por um futuro mais sustentável, no qual a conveniência de alguns minutos não custe séculos de impacto ambiental.
A retirada dos canudos foi um pequeno símbolo, mas gerou uma mudança de mentalidade que agora corre o risco de ser desfeita. O caminho para um planeta menos poluído não pode depender da vontade política de um ou outro líder – precisa ser uma responsabilidade coletiva e contínua. O desafio é grande, mas o tempo para agir já está se esgotando.