E se fosse meu filho?
A experiência da rejeição social nos deixa em suspenso e retira de nós a alegria de viver
compartilhe
Siga noALELUIA HERINGER LISBOA
Doutora em educação
Primeiro dia de aula. Uma criança de 12 anos, novata, chega à escola. Desde que a família recebeu a notícia de que conseguiram uma bolsa de estudos, ela foi preparada pela mãe de que encontraria outra realidade social. Pouco entendia sobre o que significava estar em outra realidade social, mas esse alerta foi o suficiente para os fantasmas a assombrarem. Ela só queria ser aceita e, se possível, fazer amizades.
Enquanto procurava sua sala e se acomodava, sentiu-se atravessada pelos olhares curiosos das outras crianças. Por um instante, veio à mente o alerta de sua mãe, enquanto, num lampejo, era marcada, classificada e enquadrada, daquela forma que a gente nunca esquece, em razão dos sinais externos que a distinguiam dos demais.
Logo a professora do primeiro horário entrou, deu as boas-vindas e se deteve algum tempo nos dizeres de um cartaz que estava pregado na parede e que dizia: “Aqui, nesta sala, todos são bem-vindos, importantes, aceitos, respeitados, encorajados, valorizados, iguais”. Para aquela criança, aqueles momentos foram de grande conforto. Sentiu que não estava sozinha e que, naquela escola e na atitude de seus professores, havia um compromisso explícito com o reconhecimento e o respeito ao próximo.
Essa é a história de todos nós, independentemente da idade, seja no primeiro dia de aula, de um novo emprego ou da transferência para uma outra cidade. Esperamos chegar e encontrar contornos civilizatórios que limitem e aplaquem a violência física, verbal, simbólica, em relação a qualquer marcador social e eles são muitos e vários. Olhe-se no espelho e encontre o seu.
Nessa história, duas coisas são reais. A professora, que se chama Sarah e leciona história para estudantes do 6º ano no estado de Idaho nos EUA; e o cartaz pregado na parede. A criança pode ser qualquer uma, quem sabe, nosso filho ou filha. O que muda é o final da história. No lugar da valorização dessa iniciativa, a professora foi repreendida e aconselhada a retirar o cartaz com a alegação de que "algumas pessoas podem ter visões diferentes".
A experiência da rejeição social nos deixa em suspenso e retira de nós a alegria de viver. É papel dos educadores atuarem intencionalmente e manterem-se sempre alertas na garantia desses contornos que garantam o mínimo de segurança no ambiente escolar. Essa determinação precisa ser, igualmente, coesa e forte por parte dos dirigentes escolares e das famílias, além de explicitada nos ordenamentos legais.
Cartazes não garantem nada, mas demarcam e lembram o que é valor. De fato, da clínica onde ficou internado por 38 dias, papa Francisco escreveu que “as palavras constroem os ambientes humanos". "Elas podem conectar ou dividir, servir a verdade ou se servir dela. Precisamos desarmar as palavras para desarmar as mentes e desarmar a Terra.”
Os espaços escolares trazem em si todas as possibilidades de ensaios dos conflitos, que, na vida adulta e pública, terão outro alcance. Lá no quintal da educação infantil, a alternância de poder quando a professora diz: a gangorra não é só para você, agora é a vez do outro e tantas outras contenções dos nossos impulsos mais primários, calma! Respire fundo, dê uma volta e pense melhor; levante a mão; espere a sua vez de falar; refaça; restaure o que destruiu.
O que está em jogo aqui é um projeto de educação. Theodor Adorno (1903-1969), filósofo e sociólogo alemão, escreveu que “qualquer debate acerca de metas educacionais carece de significado e importância frente a essa meta: que Auschwitz não se repita”. Ele se refere à barbárie.
Conviver não é algo fácil. Nossa tendência é impor nossas ideias, crenças e modo de viver; contudo, há uma linha tênue, como um fio precioso, repleto de sabedoria que podemos aprender. A vida é diversa e é nessa diversidade que temos a oportunidade de avançarmos com a paz social.