“a vanguarda”
Tenho um milhão de poemas para transcrever
(além de um beijo na casa do sonho).
Não sei se a vanguarda existe,
mas o futuro é um beijo na casa do sonho.
Para escrever um poema é preciso se sentir estranha.
Não sei se a vanguarda existe, mas agora estou
escrevendo um poema numa praça e sou feliz
(neste mundo de inimigos).
A vanguarda é ser feliz neste mundo de inimigos.
A vanguarda é a alma que viaja
há muitos séculos.
Me vejo escrever e penso que minha letra manuscrita forma uma ânfora,
um recipiente,
uma ânfora de barro
em outra dimensão.
“kind”
Estou de joelhos
Dos meus joelhos saem dois filetes de sangue
Estou num plano superior
E os dois filetes de sangue como duas ruas
Correm por uma folha em branco que está debaixo de mim
Nessa folha está escrito o nome do rapaz
Mais lindo do mundo
O sangue dos meus joelhos mancha as letras do
Seu nome
Sua beleza é como o sol
Às vezes sua imagem vem a mim
No meio de alguma festa
Em que danço sozinha.
O rapaz mais lindo do mundo logo virá a Buenos Aires
E caminharei ao seu lado o tempo todo
Talvez um dia enquanto caminhamos por San Telmo,
Por La Boca, ou por qualquer lugar
Diante de nós se abra um poço profundo
Que nos engolirá
Então cairemos, cairemos
Por esse poço
Até o centro da Terra.
Sobre o livro
“Toda a poesia de Cecilia Pavón é escrita a partir de um olhar singelo para o cotidiano. A banalidade da vida, os acontecimentos que poderiam passar despercebidos por olhares mais desatentos, são registrados com uma rara delicadeza”, escreve Eduarda Rocha, tradutora e organizadora da edição brasileira de “Fantasmas bons”, que reúne duas obras da poeta argentina, nascida em Mendoza em 1973: “A crítica de arte” (2016) e “Querido livro” (2018). “São dois livros curtos que trazem alguns temas em comum. Em primeiro lugar, há uma exposição da vida íntima, sobretudo das relações amorosas, semelhante ao que ocorre em determinada literatura contemporânea estadunidense (...). Essas poéticas do ‘shade’ aparecem tanto em ‘Querido livro’, que foi escrito como uma espécie de carta para conquistar um escritor, assim como em ‘A crítica de arte’, em que os altos e baixos de algumas relações conflituosas, e, às vezes, violentas, são expostos em alguns dos poemas”, conta a organizadora na apresentação. “Fantasmas bons” é uma publicação da editora mineira Macondo, de Juiz de Fora.
livro pode ser encomendado em edicoesmacondo.com.br
“Fantasmas bons”
• Cecilia Pavón
• Tradução de Eduarda Rocha
• Editora Macondo
• 120 páginas
• R$ 50