Deborah buscou amarrar os contos em fios temáticos -  (crédito: Divulgação)

Deborah buscou amarrar os contos em fios temáticos

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A vida urbana retratada por Deborah Dornellas em “Precisamos matar nossas bonecas” é cheia de personagens solitários, machucados, sobreviventes em diversos sentidos, mas também marcados por paixões, desejos, medos e perversões. É um universo que reúne crianças mortalmente encantadas com seus pintinhos, mulheres generosas para com amigos sofridos, casais que se aproximam e se afastam, órfãos confrontados à negação do afeto. O primeiro livro de contos da autora do premiado “Por cima do mar” reúne 21 histórias escritas ao longo da última década e editadas numa sequência que lembra um mosaico da diversidade do comportamento humano nas grandes cidades, com suas facetas contraditórias e nem sempre aprazíveis.

Depois de “Por cima do mar”, publicado em 2018 e vencedor do Prêmio Casa de las Américas em 2019, Deborah decidiu olhar com carinho para os contos escritos ao longo dos anos e reuni-los em livro. Editado pela Patuá e ambientado no que a escritora Maria Valéria Rezende chama, na orelha, de “cidade abstrata”, “Precisamos matar nossas bonecas” é fruto de um garimpo durante o qual a autora tentou encontrar um fio temático capaz de estabelecer alguma ligação entre as narrativas.

O livro foi editado recentemente, mas os contos sempre acompanharam Deborah ao longo dos anos. “É um livro muito diferente. Não foi fácil reunir contos com alguma coisa em comum, não é fácil para nenhum escritor. As pessoas ficam dizendo que o conto é uma coisa de segunda classe, mas não é. O Brasil tem tradição de bons contistas. Tinha que ser mais valorizado. Acho o conto um gênero nobre da ficção, encerrar uma história em poucas páginas é muito difícil”, garante a autora.

Dividido em duas partes, “Precisamos matar nossas bonecas” fala, segundo a autora, sobre solidões humanas no ambiente urbano e não poupa o leitor de sentimentos extremos. Se o riso mórbido é inevitável em textos como “A conquista do mundo”, que traz um familiar assassinato em série de pintinhos amarelos, o soco no estômago dá o tom logo nas primeiras páginas, com a história de abuso de “Via láctea”. “O que tentei foi ter alguma amarração temática”, explica Deborah. “São contos bastante diferentes, alguns parecidos, por isso dividi em duas partes, achando que podia contemplar assuntos parecidos. É também um livro que tem temas pesados como abuso, assédio, pedofilia. Não foi de propósito, esses contos já existiam, então decidi colocá-los juntos.”

Alguns dos contos são ambientados em Brasília e pelo menos um deles se passa claramente em São Paulo. Mas, no geral, são de fato abstratas as cidades que servem de cenário às narrativas. “Uma coisa que liga todos é a linguagem, mesmo eu tendo feito algumas experimentações, como um conto em segunda pessoa. Minha linguagem acaba sendo o link”, acredita a autora. Ela nasceu no Rio de Janeiro, mas cresceu em Brasília, aonde chegou em 1961, aos dois anos. A escrita permeada pela temática da vida cotidiana nas metrópoles tem a ver, Deborah acredita, com os nove anos durante os quais morou em São Paulo. “O espaço urbano é onde a gente consegue sentir a solidão humana muito fortemente. No fundo, os personagens desses contos são pessoas solitárias tentando sobreviver não só do ponto de vista financeiro, mas emocional, espiritual. São contos que falam de pessoas no espaço urbano”, avalia.

Moradora de João Pessoa desde o ano passado, Deborah é uma das integrantes do Coletivo Literário Martelinho de Ouro, que realiza encontros entre autores para leitura de textos e publica coletâneas. Ela conta que escolheu a capital paraibana porque enxerga ali uma potência literária um tanto desconhecida do resto do Brasil, focado na produção do eixo Rio-São Paulo. “Escolhi viver em João Pessoa por causa da cena literária, que sabia que era forte”, diz.

• “Precisamos matar nossas bonecas”
• Deborah Dornellas
• Patuá Editora
• 134 páginas
• R$ 50
• Pode ser encomendado no site editorapatua.com.br