Circular pelas mesmas ruas e frequentar os mesmos estabelecimentos por onde passou e viveu incólume um dos arquitetos intelectuais de um genocídio. Mais do que isso, ter na figura de uma professora da educação infantil uma das responsáveis por proteger, mesmo após a morte, um homem que entraria para a história sob a alcunha de ‘anjo da morte’. Foi essa experiência que iniciou a jornada da jornalista Betina Anton pela cruel e extensa ficha criminal de Josef Mengele, o médico nazista que atuou no campo de concentração de Auschwitz durante o Holocausto e viveu por quase duas décadas no Brasil até morrer afogado no litoral paulista sem jamais ter sido levado a julgamento.


O resultado desse mergulho na história do médico é o livro ‘Baviera Tropical’ (Todavia). A obra é fruto do esforço inédito de reunir informações sobre as correspondências de Mengele durante os anos em que viveu no estado de São Paulo nas décadas de 1960 e 1970; as investigações feitas pela Polícia Federal e pela Mossad (agência de inteligência de Israel); e uma rica e desoladora contextualização sobre os experimentos humanos comandados pelo médico durante o Holocausto.


Doutor em medicina e antropologia e pupilo de pesquisadores responsáveis pela argumentação que sustentou a política de racismo e eugenia da Alemanha Nazista, Mengele coordenou experimentos com gêmeos, buscava explicações sobre pureza racial em elementos como a heterocromia e, no posto de decidir quem vive e quem morre, chegou a levar a cabo testes para determinar quanto tempo um recém-nascido poderia sobreviver sem se alimentar. Com entrevistas e relatos de sobreviventes de Auschwitz, a obra reitera como o médico formado em instituições renomadas do Terceiro Reich exemplifica os impactos de um pretenso conhecimento científico dentro de uma ideologia cruel e extrema como o nazismo.


‘Baviera Tropical’, como apresentado pela própria autora, não se pretende uma biografia de Mengele e sim um registro detalhado da presença do médico na América Latina, primeiro na Argentina, passando pelo Paraguai e chegando ao Brasil. A obra desmistifica a ideia de que havia uma complexa rede de proteção a nazistas no continente e narra como uma série de eventos fortuitos, a proteção de europeus expatriados e uma extrema cautela ao renegar sua identidade real explicam como uma das figuras mais procuradas da história fez parte do cotidiano paulista por quase 20 anos.


Com uma contextualização meticulosa da ação do médico em Auschwitz e seu impacto para uma pretensa ‘validação científica’ do arianismo, o livro não perde, em nenhum momento, a capacidade de destacar como a vida de Mengele no Brasil é mais do que digna de um registro cuidadoso, mas um evento cujo esquecimento é absolutamente irrazoável.


Editora de Internacional da TV Globo há mais de 15 anos, Betina Anton é jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) e fez mestrado em história internacional na London School of Economics and Political Science. Em entrevista ao Pensar, ela contou como foi o processo de pesquisa e escrita de ‘Baviera Tropical’ e detalha algumas das histórias narradas nas 384 páginas do livro.

 

"Baviera Tropical"

Reprodução

“Baviera Tropical”
Betina Anton
Todavia
384 páginas
R$ 89,90

 

Entrevista com Betina Anton

“Mengele circulou por lugares
que frequento em São Paulo”

Você começa o livro contando como o contato com sua professora, que abrigou Mengele no Brasil, colocou esse personagem em sua vida. Como o fato influenciou na produção do livro?

Esse é um tema que eu guardo desde a infância. Eu sabia que tinha acontecido alguma coisa muito importante, muito grave, e que tinha mexido com todos os adultos na escola. Eu tinha seis anos, mas foi uma coisa muito marcante para mim. Antes, ninguém fazia ideia de que a Liselotte tinha escondido o Mengele e dado proteção a ele. Foi uma surpresa geral na escola e teve uma cobertura de imprensa muito grande, inclusive estrangeira, quando se descobriu que o Mengele estava aqui no Brasil e que foi ela quem o enterrou com o nome falso. Foram jornalistas na escola, foi uma TV americana filmar as crianças e os pais falavam também.


Eu nasci em 1979, no mesmao ano em que Mengele morreu, então, na década de 80, depois que o corpo foi encontrado aqui no Embu, havia muitas matérias na TV falando sobre o Mengele, sobre experiências macabras. Mas eram matérias que, já na infância, eu achava sensacionalistas. Eu sempre ficava me perguntando o que que ele realmente tinha feito e porque ele tinha feito isso, o que que tinha acontecido. Sempre foi uma pergunta que ficou latente para mim. Depois eu fiz mestrado em História na Inglaterra e sou jornalista há mais de 20 anos. Então, eu fiquei interessada em começar a investigar isso e saber o que realmente aconteceu também do ponto de vista pessoal. Fui reencontrar a Liselotte, reencontrar personagens de lugares próximos de onde eu vivo. Isso também é uma coisa que me deixa muito chocada, porque o Mengele circulou por lugares que eu frequento aqui em São Paulo, por exemplo a livraria alemã onde ele ia comprar livros. Mas as pessoas não sabiam que ele era ele, só sabia o círculo muito próximo dele. Enfim, tem uma proximidade física que para mim é um pouco assustadora e que não tinha sido bem contada, não tinha nenhum livro que explorasse em detalhes esses lugares por onde ele passou e a vida que ele teve no Brasil. Ao mesmo tempo também tem o lado histórico que sempre me interessou, entender um pouco mais sobre medicina do Terceiro Reich, o que que movimentava as pessoas para fazer o que fizeram, qual que era aquele contexto. Eu juntei essas duas coisas que me interessavam muito para escrever o livro.


Você afirma no livro que não pretendia fazer uma biografia de Mengele, mas há uma rica contextualização da atividade dele durante o nazismo. Como foi feita a decisão de abordar esse período na obra?


O que procurei fazer foi responder perguntas que eu mesma tinha. Comecei a pesquisar muito em livros, artigos científicos e conversar com pesquisadores de fora do Brasil, tanto nos Estados Unidos, quanto na Alemanha, Polônia, Israel e Argentina. Uma das dúvidas que eu tinha era saber para que serviam esses experimentos, e quais experimentos eram feitos pelo Mengele. Na Alemanha, eles fazem pesquisas sobre o que o Mengele fez e a ligação dele com o Instituto Kaiser Wilhelm (de Antropologia, Hereditariedade Humana e Eugenia), que ficava em Berlim. Os pesquisadores de lá chegaram à conclusão de que houve uma colaboração entre Auschwitz e esse Instituto de Pesquisa. Mengele mandou várias amostras de sangue dos prisioneiros de Auschwitz, mandou olhos para o estudo da heterocromia. Ele colecionava esqueletos. Então não era um louco solitário, estava em parceria com uma instituição.

E, é claro, queria se sobressair. Ia além dessa parceria. Ele começou a fazer outros experimentos que não tinham nada a ver com o estudo científico. Por exemplo, tem um caso no livro que chama muita atenção e que toda vez que eu releio eu choro porque é absurdo, é o caso da Ruth Elias. Ele mandou enfaixar os seios dela assim que ela teve uma bebê em Auschwitz porque queria ver quanto tempo uma criança consegue sobreviver recém-nascida sem se alimentar, sem mamar. Então aquela criança foi definhando foi chorando dia e noite e a mãe não podia amamentar, até o ponto que uma prisioneira fica muito comovida com essa situação e oferece uma injeção de morfina para que a própria mãe matasse a filha, que nasceu saudável, mas foi definhando dia após dia e chorando sem parar. Qual era o objetivo científico disso? Nenhum. Isso é puro sadismo.


Também estudei bastante a formação do Mengele, porque outra ideia um pouco equivocada é a de que ele era um pseudocientista. Na verdade, ele era um cientista formado em instituições renomadas do Terceiro Reich. Ele fez doutorado em medicina, ele fez doutorado em antropologia e o perigo era não é que ele era um lobo solitário, ele estava dentro de uma ideologia perigosíssima, que é a ideologia do racismo, da eugenia, do melhoramento das raças. Ele não era solitário, estava dentro de um contexto, dentro de uma ideologia extremamente perversa, cruel e sádica.

Em determinado momento do livro é apresentado um médico legista húngaro que foi recrutado para ajudar Mengele em Auschwitz e questiona a relevância científica do trabalho do alemão. É outro personagem interessante.


Miklós Nyiszli. Eu procurei dar uma visão de 360 graus sobre quem foi Mengele, colocando tanto depoimentos das vítimas quanto de médicos e de diferentes nacionalidades, diferentes idades, diferentes especialidades. Para as pessoas entenderem que não foi a opinião de uma pessoa que determinou que ele era um sádico cruel, mas que isso é uma opinião generalizada, muitas pessoas deram depoimentos.

Então, a gente consegue ter um panorama muito claro sobre o que ele fez. As anotações dele acabaram se perdendo, sobrou pouca coisa lá no museu de Auschwitz. Mas, a partir dos depoimentos de médicos e de testemunhas, dá para recriar os acontecimentos. E também por causa desses estudos feitos no próprio Instituto Kaiser Wilhelm. É claro que ele extrapolou essa relação com o instituto, como na história da Ruth Elias, ele extrapolou e começou a fazer o que bem entendia. Ele percebeu que tinha poder sobre a vida e a morte e ele fazia o que ele queria com as pessoas em Auschwitz. Ele considerava não as considerava pessoas considerava como material humano.

Você trata também da desmistificação da ideia de que havia uma rede complexa de ajuda internacional a nazistas em fuga após a queda do Terceiro Reich. Como a história de Mengele exemplifica esse contexto?

Quando Mengele chegou em Buenos Aires, havia vários nazistas. Tanto é que eu visitei Buenos Aires e fui a uma cidadezinha que é colada chamada Vicente Lopes e nesse lugar tinha muitos imigrantes alemães e britânicos. Era ali onde a maioria dos nazistas morava logo no pós-guerra. No livro tem até uma casa do Gerard Malbranc que era onde os nazistas se encontravam. A gente tem que diferenciar nazista de criminoso nazista e de oficiais nazistas, porque não eram só nazistas simpatizantes, eram criminosos mesmo, era onde o Mengele se encontrou, por exemplo, com Eichmann (Adolf, oficial nazista apontado como um dos principais operadores logísticos do Holocausto) e encontrou com outros oficiais da SS. Lá em Buenos Aires, eles tinham esses encontros, havia uma comunidade onde muitos nazistas criminosos se conheciam, isso na década de 1950. Tudo mudou a partir do sequestro de Eichmann em 1960. Foi quando Mengele veio para o Brasil. Ele saiu do Paraguai, porque ele já tinha saído da Argentina para escapar do mandado de prisão contra ele na Alemanha, em 1959, então ele veio pro Brasil em 1960 e aqui foi recebido de braços abertos pelo Wolfgang Gerhard, que era um simpatizante nazista austríaco que assumiu a função de protegê-lo. Essa função foi dada a ele por um outro camarada, como eles se chamavam, que era o Hans-Ulrich Rudel, um piloto da força aérea do Hitler. Gerhard assume essa função, só que ele não pode ficar com Mengele na casa dele nem abrigá-lo por tempo indeterminado. Ele tinha quatro filhos e não tinha uma situação econômica muito boa. Então ele frequenta aqui a comunidade de expatriados austríacos e húngaros e nessa comunidade ele conheceu a família Stammer. A essa família, Gerhard apresentou o Mengele como um suíço e pergunta se eles não podem ficar com ele como um administrador da fazenda. Então começa por aí daí assim vai fazendo o pequeno círculo do Mengele entre esses europeus expatriados.


A história de quem buscou por Mengele incessantemente até que ele morresse no Brasil é marcada por um esforço em não deixar que seus crimes caíssem no esquecimento. Como seu livro se encaixa nesse contexto?

Acho que estava faltando mesmo estudar essa história a fundo e contar aqui do ponto de vista do Brasil. Foi isso que me interessou, por ele ter passado por tantos lugares que a gente conhecia e também explorar como foi a investigação feita pela Polícia Federal, explorar essas cartas que o Mengele escreveu e recebeu aqui. Eu acho que é muito importante a gente fazer essa reflexão, porque parece que tinha ficado por isso mesmo a gente ter abrigado aqui no Brasil um criminoso de guerra do porte do Mengele e nunca ter feito uma reflexão assim sobre isso. Porque senão a gente poderia relativizar o criminoso, que foi um pouco o que a Liselotte fez. Não sei se ela não queria acreditar ou o que que se passava na cabeça dela, mas ela falava ‘não, ele era um cientista’ Porque era isso que o Mengele falava para as pessoas próximas, ele negava o que diziam que ele tinha feito. Por isso eu gastei tantas páginas dando tantos testemunhos de outras pessoas que atestam os crimes que ele cometeu. Então, eu acho que sim, estava faltando muito uma reflexão sobre isso, conhecer quem ele era, saber onde ele circulou aqui no Brasil, qual foi essa rede de proteção.

Inclusive, além de tudo, Mengele foi contemporâneo em São Paulo de outro terrível criminoso de guerra, Franz Stangl, comandante de Treblinka e Sobibor que trabalhou na Volkswagen e sequer se deu ao trabalho de mudar o nome. Quando a gente lê a história do Holocausto, costumamos ouvir depoimentos de sobreviventes de Auschwitz. É o mais comum, porque era o maior campo e, quando os soviéticos chegaram, ainda havia milhares de pessoas lá. Por que a gente não escuta tanto de Treblinka e Sobibor? Simplesmente porque pouquíssimas pessoas sobreviveram. Não eram nem campos de concentração, mas campos de extermínio, feitos com o objetivo de matar os judeus assim que chegassem. Franz Stangl foi considerado muito eficiente nesse cargo e ele também morou aqui no ABC Paulista e depois morou no Brooklin, que é outro lugar próximo da minha casa.

Entre a afinidade de Perón e Stroessner com o nazismo, mudanças fortuitas de endereço, a lealdade de quem o escondeu, você avalia que há algum fator preponderante para que Mengele vivesse por tanto tempo na América do Sul sem ser pego?

Eu acho que o ponto fundamental para ele não ser descoberto foi ele ter sido muito cuidadoso, muito cauteloso. Nem para essas famílias com quem ele foi viver e que o protegiam, ele falava quem era logo de início, ele demorava para revelar. Ele não falava para qualquer um. Tanto é que tem muita gente que conheceu Mengele aqui no Brasil e achava que ele se chamava ‘Seu Pedro’, lá em Serra Negra chamavam ele de 'hungarês', provavelmente porque ele vivia com os húngaros. Ele era uma figura conhecida, as pessoas sabiam que ele existia, mas não sabiam que ele era o Mengele e o que ele tinha feito. Esse foi, para mim, um dos principais fatores que explicam ele ter conseguido viver tanto tempo aqui sem ser descoberto. Mas não era uma pessoa reclusa, ele ia ao cinema em Caieiras para assistir fimes de Velho Oeste, ele fala que fez uma viagem longa de exploração de cavernas, vira e mexe tem relatos dele no litoral aqui em São Paulo. Ia a cachoeiras, churrascarias... Então ele não ficou trancado dentro de casa,frequentava os lugares, mas jamais falava que era o Mengele. Mesmo quando ele teve um AVC aqui em São Paulo, apresentou documentos falsos no hospital. Naquela época o Brasil também não era como hoje e isso também facilitou. Os sistemas não eram digitalizados, era mais difícil checar se o documento era verdadeiro ou não. Hoje em dia eu acho que dificilmente ele ia conseguir ficar tanto tempo aqui. 

Mengele no Instituto de Genética Humana e Higiene Racial de Frankfurt, na Alemanha

Reprodução

Quem foi Mengele

Josef Mengele nasceu em 1911 em Günzburg, região da Bavária, Alemanha. Com o título de doutor em antropologia física pela Universidade de Munique, ele começou a trabalhar no Instituto de Biologia Hereditária e Higiene Racial, em Frankfurt, em 1937. Um ano depois ele se filia ao partido nazista e integra a S.S. (Schutzstaffel, polícia do estado nazista) como cientista.


Antes de ser designado para atuar em Auschwitz, Mengele serviu ao exército nazista na II Guerra Mundial na frente oriental do conflito. Em 1943 ele é transferido para o campo de concentração na Polônia, onde conduziu experiências com humanos e recebeu o apelido de ‘anjo da morte’, por ser figura frequente nas rampas onde os recém-chegados eram selecionados para trabalhos forçados, serem cobaias de experimentos ou a morte.


Após a derrota nazista na guerra, Mengele permaneceu por mais quatro anos como fugitivo na Europa até desembarcar em Buenos Aires em 1949. Com rápida passagem pelo Paraguai, ele chegou ao Brasil em 1960, onde viveu até 1979. Contatando com a ajuda de europeus expatriados e usando nomes falsos, o médico passou quase duas décadas em solo brasileiro até se afogar acidentalmente em Bertioga, litoral paulista, em 1979.


Mengele foi enterrado sob o nome de Wolfgang Gerhard, austríaco que organizou a recepção ao nazista no Brasil. Liselotte Bossert, que protegeu o médico em seus últimos anos de vida, cuidou para que o sepultamento não revelasse a identidade do amigo. Seis anos depois, diante de um tratado de cooperação entre Alemanha, Israel e Estados Unidos, foram encontradas evidências de que o ‘anjo da morte’ estaria enterrado em São Paulo. A Polícia Federal localizou o túmulo em Embu e o cadáver foi exumado. A conclusão dos testes de DNA da ossada se deu em 1992.

 

‘‘Na minha própria imundície, com meu bebê, eu fui para minha cama sem colchão, só com uma coberta. Nós duas nos cobrimos’’

 

Ruth Elias

Reprodução

Em Jerusalém, diante de uma plateia cada vez mais calada, Ruth relembrou aquele momento com expressão triste e voz inabalável: “Eu deitei naquelas pedras, sem nada. E eu dei à luz uma menina linda. Sem sabonete. Sem água quente. Sem algodão”. Ela fez uma pausa como quem quer tomar coragem e continuou: “Nada. Na minha própria imundície, com meu bebê, eu fui para minha cama sem colchão, só com uma coberta. Nós duas nos cobrimos”. As condições eram tão precárias que a parteira não conseguiu nem mesmo esterilizar a tesoura com que cortou o cordão umbilical. Também não havia fraldas. No dia seguinte, Mengele chegou para a visita diária e viu que Ruth tinha dado à luz. Ele olhou a bebê por um longo tempo e, em seguida, mandou uma médica amarrar os seios da mãe com bandagem apertada para que ela não pudesse amamentar. Ele queria saber quanto tempo um recém-nascido conseguia sobreviver sem mamar. Logo Ruth sentiu seus seios se encherem de leite. O bebê estava faminto e chorava sem parar. Mengele passava todos os dias para verificar a bandagem e olhar a criança. Depois de sete dias de agonia e desespero, Maca Steinberg, outra prisioneira tcheca, ofereceu ajuda. Ela arrumou uma injeção de morfina e entregou a Ruth. Disse para aplicar na criança[...] Mais de quarenta anos depois, ao auditório atento, Ruth declarou: “Eu matei minha própria filha”. Fez mais uma pausa, passou a língua nos lábios e continuou. “De manhã, Mengele chegou, eu estava preparada para ir (para a câmara de gás). Mas ele não queria a mim, queria minha bebê. Ele não encontrou o corpo na pilha de cadáveres em frente ao nosso bloco”, disse com uma expressão triste e resignada. Foi assim que ela escapou do crematório, sem conseguir escapar da dor dilacerante de perder a filha.

Ruth Elias, uma das milhares de vítimas de Mengele em Auschwitz, narrou sua experiência no evento ‘J’Accuse’, ocorrido em Israel, em fevereiro de 1985.

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